Nova grade curricular será aplicada nas turmas do 1º Ano da rede estadual
O ano letivo de 2022 começará com novidades nas escolas, principalmente nas turmas de Ensino Médio, onde o chamado “Novo Ensino Médio” deverá ser implementado gradativamente, já sendo aplicado nas turmas do 1º Ano. Na rede estadual, a novidade – que prevê aumento de 800 horas de aulas anuais para 1.000 – está sendo chamada de “Ensino Médio Gaúcho”.
Com a reforma do Ensino Médio, instituída pela Lei Federal 13.415/17, a educação profissional e tecnológica passou a integrar a educação básica de nível médio. Isso representa uma etapa de formação do jovem com saberes em contextos diversos e a promoção de aprendizagens que dialoguem com seus interesses, que os estimulem a permanecer na escola, e a seguir aprendendo ao longo da vida para conquistar seus projetos pessoais e profissionais. Isso significa uma série de mudanças na grade curricular.
Por exemplo, os estudantes terão a disciplina de Educação Física apenas no 1º Ano. Artes será disciplina apenas do 3º Ano enquanto que Língua Espanhola será conteúdo apenas do 2º Ano. Por outro lado, haverá disciplina de Mundo de trabalho para o 1º Ano e de Iniciação Científica para o 2º e o 3º Anos, mesmos níveis nos quais os estudantes poderão escolher uma área de aprofundamento.

A secretária estadual de Educação do Rio Grande do Sul, Raquel Teixeira, enaltece as principais mudanças no novo modelo de Ensino Médio. “A reforma do Ensino Médio talvez seja a mais profunda que eu já vivi em toda minha trajetória de educadora. Esse movimento que criou a nova BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e propôs estas mudanças nesta etapa de ensino é fantástico. É um avanço. A legislação mudou porque havia uma demanda e uma insatisfação com a escola que tínhamos. A escola do século 18 com foco no professor e no ensino não cabe mais no mundo. A escola do século 21, com foco no aluno e na aprendizagem, é a grande transformação da educação brasileira”, destaca.
Já a presidente do sindicato Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers) e professora da rede estadual Helenir Aguiar Schürer vê retrocesso na implantação do novo currículo no Ensino Médio. “Estudantes da rede estadual terão acesso ao que é estritamente necessário para ingressar em um mercado de trabalho cada vez mais precarizado, que obriga trabalhadores a se tornarem empreendedores de si mesmos, sem direitos nem carreira. Que chances terão nossos alunos de acessar o Ensino Superior enquanto estudantes da rede privada desfrutam do menu completo de disciplinas?”, questiona. “Trata-se de um verdadeiro apartheid socioeducativo, projetado para transformar jovens em massa de trabalho acrítica, sem formação humanística e pronta para servir a interesses empresariais”, critica.
“As vantagens estão voltadas mais para as escolas privadas”
Ao analisar o currículo proposto pelo “Novo Ensino Médio”, a professora doutora em Pesquisa em Ensino e docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no Departamento de Ensino e Currículo e do programa de pós-graduação em Geografia da UFRGS Roselane Zordan Costella avalia que são necessárias mudanças urgentes na educação brasileira, inclusive no Ensino Médio. No entanto, ela acredita que para as escolas públicas estas mudanças não trarão impactos positivos.

Seu argumento é pautado em cinco pontos: a precariedade das escolas públicas em suas estruturas físicas e humanas; a carga horária reduzida dos componentes curriculares; a ideia de que um jovem de 15 ou 16 tenha que já escolher a área do conhecimento que pretende seguir; professores não preparados para este novo currículo; e a organização dos objetos de conhecimento por área do conhecimento e não por componente sem um embasamento epistemológico. “Por outro lado, se os sistemas de ensino estivessem estruturados, com os professores preparados e empoderados, a proposta seria interessante para todos os alunos, não só para os das escolas privadas”, comenta. “As vantagens (do “Novo Ensino Médio”) estão mais voltadas para as escolas privadas”, reforça Roselane.
A doutora diz que tem acompanhado escolas privadas que estão oferecendo opções fantásticas para os estudantes e mantendo aprofundamento em todas as áreas do conhecimento, preparando os alunos ainda mais para as provas externas. “É fato que teremos um maior abismo entre o ensino público e privado”, assevera.
Entre as desvantagens do novo modelo de Ensino Médio, a professora aponta o fato de ele ter sido idealizado por quem não conhece a realidade educacional do Brasil. Roselane também cita como pontos negativos o esvaziamento do currículo, a necessidade de escolha da área do conhecimento por parte dos alunos de forma precoce, as mudanças virem antes da total preparação das escolas e professores e o maior abismo entre as instituições públicas e privadas.
Analisando o “Novo Ensino Médio”, a pesquisadora da educação diz que existem países com currículo semelhante ao preparado. Ela cita como exemplo Finlândia, Coréia do Sul, Canadá e Estados Unidos. “Mas as mudanças no Brasil precisam começar pela valorização do professor, pela melhora das escolas, pela melhora dos cursos de graduação”, enfatiza. “Não podemos começar uma casa pelo telhado. Temos que mudar, mas não desta forma, com essa intencionalidade. Precisamos, antes de qualquer coisa, pensar em políticas públicas mais igualitárias”, defende Roselane.