As “facilidades” e as “dificuldades” do primeiro ano da Reforma Trabalhista

Representantes de sindicatos e de entidades ligadas a empresas avaliam, na prática, as consequências das modificações na legislação trabalhista

Após muita polêmica, no dia 11 de novembro de 2017, passaram a valer as alterações impostas pela Reforma Trabalhista. Mexendo em mais de 100 itens da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a medida foi justificada pelo governo federal como uma maneira de estimular a economia recessiva do país e despertou muitas disputas.

Dentre as críticas, entidades de classe apontavam que a Reforma só atenderia o interesse das grandes empresas e significaria perda de direitos para os trabalhadores brasileiros. Já os apoiadores, por sua vez, colocavam que as mudanças serviriam para coibir a chamada “indústria de causas trabalhistas” e estimular a geração de emprego, com uma legislação mais atualizada.

A discussão foi longe. Mesmo hoje, sete projetos tramitam na Câmara dos Deputados já buscando alterar a nova lei. Um deles pretende revogar a reforma completamente. Quando as mudanças passaram a vigorar, em 2017, o Jornal Ibiá entrevistou defensores e críticos da nova legislação, que colocaram as diferentes opiniões sobre o tema. Mas como será que a Reforma foi aplicada, na prática, durante este primeiro ano? O advogado Marcos Gilberto Griebeler, representando os patrões, e o presidente do Sindicomerciários – o Sindicato dos Empregados no Comércio de Montenegro, Valdenir Oliveira, fazem uma avaliação.

Ações trabalhistas diminuíram quase 50%, diz advogado
Há mais de 40 anos atuando como advogado de empresas, Marcos Gilberto Leipnitz Griebeler foi um dos defensores da Reforma e afirma que ela veio para ficar. Ele analisa de forma positiva o primeiro ano de vigência da lei, destacando o aumento na geração de empregos e a diminuição das ações trabalhistas em quase 50%. Leia os principais trechos da conversa.

  • Jornal Ibiá – Em entrevista ao Ibiá, no ano passado, o senhor falava, confiante, sobre as boas novas que representavam a Reforma Trabalhista. Passado o primeiro ano, qual é sua avaliação?
    Marcos Griebeler Havia muita especulação se a Reforma iria ou não funcionar. Associações de advogados, associações de juízes, enfim, entendiam ela de forma diferente. Uns apoiando, outros contrários. Mas o que aconteceu foi que a legislação se consolidou e a Reforma veio para ficar. Esse balanço de um ano foi altamente positivo. Quem diz que houve perda de direitos está se equivocando e pretende induzir ao equívoco. Não vale. Isso é mais uma questão política do que técnica, pois, na técnica, não houve perda de nenhum direito. Ao contrário. Nós estamos passando pela quarta Revolução Industrial e a nossa legislação brasileira estava lá na segunda Revolução Industrial. Se o mundo muda, nós temos que mudar. E o que mudou não foi o direito trabalhista, mas a legislação trabalhista.
  • JI – O que se pode destacar de mudanças mais marcantes deste período?
    Griebeler  Uma coisa altamente positiva foi a sucumbência (pagamento dos honorários pela parte perdedora da ação) na Justiça do Trabalho. Antes da Reforma, haviam muitos pedidos e isso foi limitado. A pessoa, quando entra na Justiça, não perde nenhum direito de ajuizar um processo, mas tem que ter certeza daquilo. Ela não pode fazer da justiça um jogo de cartas. Pensar que vai pedir e não vai dar nada. Agora tem a sucumbência para quem perder a causa. Isso diminuiu as ações trabalhistas entre 30% e 50%. Foi uma regularização dessa situação. Com isso, tem também a questão da perícia, que acabava sendo pedida só por pedir e isso, quando não havia ganho no pedido, acabava sendo custeado pelos tribunais. Ficava caro ao Judiciário e acabava com todos nós, cidadãos, pagando. O Judiciário era caro por causa disso. E isso não quer dizer que terminaram as reclamatórias trabalhistas – elas nem devem terminar, pois as relações são discutíveis – mas diminuíram os excessos.
  • JI – Na posição de advogado, essa diminuição das ações trabalhistas não acabou representando redução de trabalho para os profissionais do Direito neste ano?
    Griebeler De fato, diminuíram as reclamatórias trabalhistas. Mas um profissional não pode se fazer com uma coisa só. Se, de um lado, diminui o trabalho, outros acabam se abrindo. A própria modernização do mundo abre outros caminhos. No Direito, nós estamos discutindo hoje a questão dos direitos autorais, questões da informática, das informações. Há novos caminhos para o Direito.
  • JI – Um ponto polêmico da Reforma foi o fim da obrigatoriedade da Contribuição Sindical. Os funcionários deixaram de ser obrigados a pagar parte do salário aos sindicatos da classe e podem escolher entre fazer ou não isso. Como o senhor percebeu o movimento dessas entidades durante o ano?
    Griebeler – Isso diminuiu a renda e muitos dos sindicatos estão com dificuldades para sobreviver. Os que estavam dependentes só dessas receitas acabaram criando problemas para eles mesmos. Às vezes, havia categorias que não tinham normas coletivas há muito tempo. Agora, o que a gente vê é que os mais modernos estão se adaptando e buscando outras formas de renda para se manter. Muitos já têm associados. Eu vejo que a Reforma até consolidou a importância dos sindicatos. Com ela, agora, as negociações têm um valor enorme. Antes acontecia muitas vezes de se estabelecer alguma cláusula em acordos ou convenções coletivos e depois vir o Judiciário a entendê-la como inválida. Hoje não. As negociações – salvo aquelas regras que não se permite discutir, como o salário mínimo e o 13º – podem ocorrer. Isso diminuiu a intervenção estatal e foi um avanço muito grande.
  • JI – Qual é sua percepção em relação à confiança dos empreendedores em empregar novos funcionários com a atual legislação?
    Griebeler Os anos de 2015 e 2016 trouxeram para o Brasil um prejuízo quase insuperável. Foram erros que trouxeram muitos prejuízos. Então, este rastro ainda vai ficar por um longo tempo. Mas nós estamos nos recuperando. Em 2018, nós já tivemos um saldo positivo de 800 mil empregados. Claro que, com um quadro de 13 milhões de desempregados que tínhamos, ainda é pouco. Mas vai evoluir. Nós estamos vivendo mudanças nas relações de trabalho e nos modernizando, querendo ou não. Isso é uma coisa do mercado e não de governo. Dinheiro não tem pátria e pequenos ou grandes empreendedores, se vêem problemas nas relações de trabalho, não investem, se constrangem ou colocam mais robôs para trabalhar. A legislação mais moderna foi um passo gigante, visto que uma lei, quando é muito restritiva e tudo é uma ameaça, apenas incentiva a informalidade.
  • JI – Que outros pontos o senhor gostaria de destacar sobre o primeiro ano da Reforma Trabalhista?
    Griebeler Pode-se destacar que se limitou os entendimentos de jurisprudência. Não se pode mais criar jurisprudências como eram criadas. Legislativo é Legislativo e Judiciário é Judiciário. Esse procedimento melhorou. Outra coisa muito importante que surgiu foram os acordos trabalhistas, pois a pessoa tinha um medo terrível de fazer acordos com os empregados e de eles, depois, irem à Justiça reclamar outra coisa. Hoje, já se faz o acordo e a Justiça homologa, o que traz tranquilidade e diminuiu o atrito entre as pessoas.
  • JI – Ainda tramitam alguns projetos que buscam revogar as atualizações da Reforma. O senhor acha que há um risco de se voltar atrás nas mudanças?
    Griebeler Eu não acredito que vá retroceder. Tem uma ou outra coisa que até precisa ser esclarecida, como a questão da atividade insalubre que talvez precise ser revista, mas revogar a Reforma, isso não mais. Esse tipo de coisa (os projetos) são mais política para iludir as pessoas e mostrar serviço, mas eles sabem que nada vai ser aprovado. Essa conquista não pode ser perdida.

Sindicalista destaca empenho em não perder apoio do trabalhador
Na outra ponta da polêmica Reforma Trabalhista, o presidente do Sindicomerciários – o Sindicato dos Empregados no Comércio de Montenegro – Valdenir Oliveira conta do empenho e das dificuldades para, sem a Contribuição Sindical, manter os projetos da entidade. Em sua percepção, a possibilidade de negociação direta entre empregado e empregador pode trazer prejuízos.

  • Jornal Ibiá – A conversa no ano passado apontava para um cenário bastante desanimador, em que os trabalhadores perderiam direitos e a lei passaria a atender o interesse só das empresas. Foi tudo isso?
    Oliveira – Em certas questões, sim. Há pouco tempo, por exemplo, a gente fiscalizou uma empresa de grande porte que ‘aconselhava’ os trabalhadores a trabalharem no domingo, sem ponto batido. Isso não podia e ainda não pode, mas a Reforma acabou afastando os trabalhadores do sindicato. Esse enfraquecimento do movimento sindical acabou possibilitando esse tipo de coisa mais velado. Nós recebemos a denúncia, fiscalizamos essa empresa e agora vamos tratar, pelos trâmites legais, dos direitos que foram burlados: repouso de um turno para outro e a falta do ponto batido.
  • JI – O que mais pesou, então, foi mesmo essa questão da relação com o sindicato?
    Oliveira – Sim, nesse contexto todo que estamos vivendo, de política social e política partidária, muitas vezes o trabalhador toma como base algumas informações que são fakes, e acabam também apoiando certas posições. Mas, sim, o enfraquecimento da relação com o sindicato foi um principais fatores.
  • JI – A Contribuição Sindical era paga obrigatoriamente pelos trabalhadores e revertia em recurso ao sindicato. Quando ela passou a ser facultativa, qual foi o impacto?
    Oliveira – Dizer que ela não pesou seria uma inverdade. Ela traz um fator econômico para o Sindicato, de não poder mais investir na categoria. Isso, digo o ‘investir mais’. Por exemplo, quando eu assumi essa entidade, nós tínhamos um projeto de melhorias ao trabalhador e, vindo a Reforma Trabalhista e a perda da contribuição sindical, alguns desses projetos foram deixados de lado para dar prioridade àqueles projetos menores. Um dos projetos maiores que eu tinha, a longo prazo, era a conquista de uma sede campestre que, sem o Imposto Sindical, hoje, é praticamente impossível. Querendo ou não, a contribuição trazia renda suficiente para uma realização assim; ou até mesmo a instituição de uma creche social voltada ao trabalhador. Esses projetos que a gente tinha iniciado deram uma diminuída.
  • JI – O Sindicato tem trabalhadores associados?
    Oliveira – Sim. Nós temos hoje, em nosso banco de dados, entre 1,5 mil e 2 mil associados que ajudam, através da Contribuição Assistencial. Após a Reforma Trabalhista, esse quadro aumentou. Nós fizemos, agora, um levantamento e, de novembro do ano passado até este, foram mais de mil sócios novos que chegaram. São mil trabalhadores que buscaram o apoio do sindicato, valorizando, assim, o nosso trabalho.
  • JI – Como foi o trabalho para incentivar que esses trabalhadores não abandonassem o seu sindicato?
    Oliveira – A gente já vinha fazendo uma ação com os trabalhadores, os associados e os contribuintes, através dos nossos convênios e das nossas ações sociais. Como exemplo, cito o material escolar, que a gente distribui em janeiro para pais e filhos de associados e de trabalhadores que estudam. Isso é um marco nosso. Nós realizamos evento do 8 de março, pelo Dia Internacional da Mulher, onde se deu para as comerciárias de Montenegro um dia de salão. Então, é através dessas contrapartidas – que, do meu ponto de vista, são dever de qualquer entidade de classe -, que o trabalhador vai valorizando a sua entidade e vê que há a necessidade de estar junto nesse momento de dificuldade para o movimento sindical. Se a gente não tiver o sindicato e tiver menos direito, afinal, a gente vai enfraquecendo.Também realizamos campanhas fortes de conscientização do trabalhador, como o “Não fique só, fique sócio”, a “#tô fechado com o Sindicato”. Neste momento de perda – ou de flexibilização – de direitos trabalhistas, ele precisa estar junto com o sindicato para manter os seus direitos conquistados.
  • JI – Cumpriu-se a profecia de que, com a Reforma, os trabalhadores passariam a precisar mais dos sindicatos?
    Oliveira Sim. Pra você ter uma ideia, eu adotei uma forma de negociação diretamente com as empresas no ano passado e conquistamos um bom acordo com o setor de supermercados sobre bônus para trabalhar nos feriados. Isso, entendendo que, nesse momento de crise política e econômica, as empresas precisam vender para poder manter o emprego dos seus trabalhadores. Então eu adotei o acordo para os feriados, com a bonificação para quatro e para oito horas trabalhadas. Foi uma forma de negociar diretamente com os empresários que faz com que o trabalhador enxergue a sua entidade de classe. Foi um acordo muito bom, que acabou pagando, nos feriados, mais que 100%. Antes da Reforma Trabalhista, não se podia negociar essa questão de feriado e de domingo. Isso foi um ponto positivo, pois há o ‘negociado sobre o legislado’. O que o sindicato representante dos trabalhadores negociar diretamente com o empresário vale mais do que a legislação. Essa foi uma forma de nós driblarmos esse ponto negativo, transformando-o em um ponto positivo para a classe.
  • JI – Diante das movimentações no Congresso, o senhor acredita que há possibilidade de a Reforma Trabalhista ser revogada?
    Oliveira – Dificilmente. Aí, a gente vai ter que entrar na questão política. A partir do mandato que assume após a gestão Temer, o governo fica mais pendido à Direita, agora Liberal. Então, com aquelas questões voltadas à Esquerda e ao Socialismo – e a gente pode acompanhar pelos manifestos de quem vai assumir – acredito que seja muito difícil mudar essa questão trabalhista e sindical. O próximo governo até já anunciou que o Ministério do Trabalho e Emprego deixará de existir. Para você entender: o sindicato nada mais é do que um braço do Ministério do Trabalho e Emprego. Então, a gente faz o trabalho, fiscaliza e leva essas denúncias ao Ministério e ao Ministério Público do Trabalho. Não tendo esse Ministério, a tendência é que mais direitos a gente vai perder. Uma das questões que pesa muito nesse ponto é a fiscalização do trabalho infantil, pois o Ministério faz um trabalho muito forte disso e, terminando com o Ministério, quem é que vai cuidar? Só através dos acordos coletivos individuais com empresas que, aí sim, se consegue reverter alguma coisa. Mas, pensando em leis melhores, acho difícil mudar. Esperamos que mude, mas o cenário é bem complexo.

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