O levantamento foi feito entre as ruas José Luis e Dr. Hugo Wolgemuth
Há pouco mais de um mês, Maria Janete Mello Ferreira, 58 anos, precisava de um medicamento. Como todo cidadão, ela foi até uma farmácia onde sabia que o item estava na promoção. Cadeirante desde criança, chegou ao estabelecimento no Centro e percebeu que não teria como entrar ali. Havia só um grande degrau na entrada. Nenhuma rampa.

Janete chamou por um funcionário e sujeitou-se a ser atendida na porta do comércio. Na hora de pagar, no entanto, ela só tinha o cartão de crédito para finalizar a compra. A maquininha da loja era com fio e não alcançava até a rua. Como qualquer um faria, a cliente negou-se a dar sua senha para um estranho. Então não pode comprar. Teve que ir a outra farmácia, que era acessível, mas que tinha um preço mais caro.
Casos como esse se repetem todo dia pela cidade. O Jornal Ibiá realizou um levantamento na Rua Ramiro Barcelos – a principal do município – no trecho entre as ruas José Luis e Dr. Hugo Wolgemuth. Dos 211 estabelecimentos levantados, 76 não podem ser acessados por conta própria por cadeirantes. O ingresso também é difícil para idosos, portadores do nanismo, usuários de muletas e todas as outras pessoas que, por algum motivo, têm dificuldade de locomoção. Falta a tal da acessibilidade.
Desde 2015, existe a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que prevê que esse acesso deve ser fornecido. Antes dela, no entanto, o Código de Posturas de Montenegro já cobrava que todas as edificações – exceto as de habitação familiar – respeitassem a Norma Brasileira que padroniza, dentre outros pontos, tamanho de portas, rampas (com largura e inclinação) e dimensões de sanitários para estes indivíduos. Isso em 2014. Quem não estiver de acordo, desde essa data, não recebe o Alvará de Construção.
Muitos prédios, no entanto, foram construídos antes de 2014. O problema é grande. Na Ramiro Barcelos, 75% dos salões de beleza e de estética não são acessíveis. 66% das clínicas e consultórios médicos também não. Entre as farmácias, quase 27% não têm. O percentual das lojas de roupas, calçados, cama, mesa e banho sem acessibilidade é maior que 31%.
Nem mesmo o nosso cinema é acessível. “No cinema, eu nunca fui. Não tem como. Parece que reformaram todo ele, mas deixaram aquela escada”, lamenta a cadeirante Maria Janete Mello Ferreira, que gostaria muito de desfrutar da sétima arte no município. Na cadeira desde os quatro anos de idade, ela vê pouca mudança na questão da acessibilidade como um todo em Montenegro. “Pelo tempo que eu vivi precisando, são poucas as melhoras”, avalia.
Questionada sobre a possibilidade de entrar carregada em algum local sem rampa, ela é categórica: “Isso é péssimo! A gente se sente muito inferior”. Ela conta que, por diversas vezes, deixou de comprar em estabelecimentos que não estavam preparados para recebê-la. O sentimento é de muita indignação.
Pela lei municipal, só se o prédio passar por uma reforma – e se a reforma é “considerável” a ponto de precisar passar pela Prefeitura – é que ele se torna obrigado a se adequar às regras de acessibilidade. De acordo com o diretor de Projetos de Engenharia, André Schoellkopf, nem todas as intervenções do tipo chegam à Administração Municipal.
Problema vai além do degrau

O presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência (Comdped), Valdair da Rosa Silva, é deficiente visual. Para ele, a falta de uma loja acessível também faz falta, pois, sem a visão, o risco de queda em um degrau é grande. Ele destaca, no entanto, que há outro problema no Centro em relação às pessoas com necessidades especiais: o atendimento.
“A questão não é só arquitetônica. É de as pessoas não estarem preparadas para atender. Eu chego nos lugares e muitos nem sabem o que fazer. Ficam parados e não vêm falar comigo”, revela. Valdair aponta que nota este comportamento em muitas lojas. “Elas não chegam no deficiente e oferecem ajuda.”
Sobre as regras de acessibilidade, afirma que a Prefeitura não tem “força” para cobrar mais adequações, visto que seus próprios prédios não são, de todo, acessíveis. Via Assessoria de Comunicação, a Secretaria Municipal de Obras Públicas (Smop) respondeu à crítica, afirmando que todas as obras novas – seguindo a mesma regra das lojas – atendem aos itens de acessibilidade. Afirmou ainda que, quanto aos prédios históricos onde funciona a Administração Municipal, há uma legislação específica com outras regras para que a edificação não perca suas características originais.
“Bom dia, loja que não tem rampa”, desafia cadeirante
É com essa frase que a cadeirante Doratildes Dória Pereira, a Dora, chega aos estabelecimentos sem acessibilidade. Ela conta que as reações variam bastante. Alguns fazem cara de nojo. Outros se desculpam. Outros simplesmente lamentam que não são donos do prédio e nada podem fazer.
Dora precisa da cadeira desde 2013. “A gente não compra em muita loja porque não dá para entrar. Às vezes tu vê que a loja é mais barata, só que não tem rampa”, relata. Ela já foi, muitas vezes, atendida na rua, na calçada, mas não gosta da situação. “Acontece, mas eu sempre reclamo. É muito chato”, opina. Sobre ser carregada até dentro de algum estabelecimento, ela ressalta que, além de ser “humilhante”, fica com receio de sofrer algum tombo. “Tenho até mais medo do que vergonha.”