Setembro verde. Entenda como funciona a lista de espera no Brasil
Há nove meses um transplante de rim trouxe uma nova perspectiva para a vida de Daniel da Silva Castro, 41, morador de Montenegro. Durante quatro anos, enquanto aguardava na lista de espera pelo órgão, ele precisou de hemodiálise. Todas as segundas, quartas e sextas-feiras ele passava por sessões de 4h de duração.
A espera pelo órgão chegou ao fim em novembro de 2022, quando Daniel realizou o transplante no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. “Para mim representou e ainda representa uma nova chance de vida, uma vida com mais qualidade”, pontua. A recuperação foi rápida, foram somente 11 dias internado após o transplante. “O rim funcionou praticamente de imediato. Claro que sempre fui muito cuidadoso, segui à risca as orientações médicas sobre tudo o que precisava e precisa ser feito”, enfatiza.
Os quatro anos aguardando pelo transplante fizeram Daniel refletir sobre a importância da conscientização sobre a doação de órgãos, que no Brasil precisa da autorização da família. “Vejo como algo fundamental para que as enormes filas de espera diminuam e, principalmente, para que vidas sejam salvas”. Daniel diz se sentir grato à família que autorizou a doação do rim que recebeu e possibilitou uma renovação em sua vida. “As pessoas precisam se conscientizar sobre doação de órgãos. É um ato muito grandioso e que possibilita salvar muitas vidas”, diz.
Conscientização é fundamental
No Brasil, o transplante de órgãos só acontece depois de diagnosticada a morte encefálica do doador. O diagnóstico é feito por dois médicos capacitados e um exame de imagem. Depois de diagnosticada a morte encefálica, a família é entrevistada e lhe é oferecido o direito de doar os órgãos de seu familiar. Para a doação acontecer, a família precisa autorizar a doação. Por isso, a importância de falar com a família em vida se é ou não doador.
De acordo com Glaci, é importante lembrar que o transplante é um tratamento e que sem doação ele não existe. “Existe quatro vezes mais chances de se precisar de um órgão do que ser doador. No Brasil, a morte encefálica representa apenas 2% das mortes. Hoje são mais de 55.000 pessoas em lista de espera por órgãos e tecidos no país. Por isso, é muito importante informações e formações sobre esse tema tão importante”, destaca.
O Setembro Verde tem o objetivo de trazer o tema da doação de órgãos para debate. “A cor verde representa esperança e renovação, isso é o transplante. Quer dizer, a pessoa estava morrendo e volta a ter vida”, pontua o médico Valter Garcia. Ele destaca que o trabalho tem demonstrado resultados positivos e aumentado o número de doações no Estado. “No ano passado a gente tinha uma taxa de aceitação das famílias de 40% no Rio Grande do Sul. Neste ano já estamos em 45%, em alguns estados até 50%. Então, quer dizer que de cada duas famílias uma tem negado”, enfatiza Garcia.
O maior problema, segundo o médico, continua sendo a falta de comunicação para a família da vontade de ser doador. “O mais importante é chegar em casa e dizer que se eu precisar de um transplante eu quero receber. Agora, se eu tiver morte encefálica, se eu puder ser doador, eu quero. As pessoas precisam falar sobre isso”, afirma. Garcia associa o transplante a uma avenida de duas mãos. “Tu não sabes se vai ficar na mão que é do doador ou na mão de quem precisa do órgão. Por isso é importante essa conscientização”, conclui.
Como são os critérios para o transplante
Conforme a coordenadora do projeto Cultura Doadora da Fundação Ecarta, Glaci Salusse Borges, o transplante não tem uma ordenação de fila. Trata-se, sim, de uma lista de pacientes, podendo ser alterada diariamente, sempre orientada por critérios médicos, como tipagem sanguínea, compatibilidade de peso e altura, compatibilidade genética e critérios distintos de gravidade para cada órgão.
Glaci explica que a lista de espera por transplante no país é única e o órgão responsável pela coordenação de transplantes é o Sistema Nacional de Transplante, SNT. Cada Estado do Brasil gerencia uma lista de espera por meio da sua Central Estadual de Transplantes. Quando o órgão é captado num estado, é rodada a lista. Se houver receptor compatível, o transplante será feito naquele estado. Se não houver receptor compatível, esse órgão é disponibilizado para a lista nacional e será encaminhado para o estado onde o receptor estiver.
O médico nefrologista Valter Garcia, coordenador do Serviço de Transplantes Renais na Santa Casa de Porto Alegre, destaca não há uma lista cronológica para os pacientes que aguardam um rim, fígado, coração e pulmão. “A lista só começa quando aparece o doador e desaparece quando termina a doação, porque ela leva em conta a compatibilidade sanguínea e outros fatores”, explica.
No caso do rim, o médico enfatiza que o tempo de espera para o transplante pode ser muito maior do que outros órgãos, porque o paciente tem a possibilidade de fazer hemodiálise, o que não acontece com outros órgãos. “No caso do coração, rim ou pulmão, se o paciente entra na lista de espera e fica seis meses ou um ano e não faz o transplante, ele acaba morrendo. Por isso que as listas acabam não crescem muito”, afirma.
Outro fator que influencia no transplante de coração, além da compatibilidade sanguínea, é o tamanho do órgão. “Se eu peso 90 quilos eu posso receber um coração 20% para cima ou para baixo do meu peso. Porque ou ele não vai conseguir funcionar de forma adequada ou não vai conseguir fechar a caixa torácica”, afirma Garcia. A lista de espera por um transplante de coração também é muito menor. Conforme o médico, em todo o Brasil são cerca de 400 pessoas aguardando pelo órgão, enquanto a lista de espera por um rim chega a 30 mil pessoas. “As pessoas precisam saber que o que aconteceu com o Faustão, de fazer o transplante em menos de uma semana, acontece todos os dias com pessoas humildes e ninguém sabe”, enfatiza Garcia.
Esperança e renovação
O Setembro Verde é o mês de conscientização e incentivo para a doação de órgãos. O Brasil tem o maior sistema público de transplantes de órgãos do mundo. A estrutura, gerenciada pelo Ministério da Saúde, assegura que 90% das cirurgias atendam à rede pública. Nesta semana, o tema ganhou repercussão após o apresentador Fausto Silva realizar um transplante de coração. O fato gerou vários questionamentos, principalmente a respeito do funcionamento da lista de espera para o transplante.
Confira a entrevista completa com o médico Valter Garcia, coordenador do Serviço de Transplantes Renais na Santa Casa de Porto Alegre: