A situação de calamidade pública em mais de 400 municípios do Rio Grande do Sul afeta tanto a saúde física quanto a emocional e mental da população. É necessário começar a tratar os traumas decorrentes das perdas humanas e materiais para evitar agravamentos.
Os psicólogos Jaqueline Porto e Guilherme Bulcão Manica, do Centro de Referência de Assistência Social (CREAS), explicam os pontos que devem ser observados e como lidar com eles. Segundo os profissionais, todas as pessoas que vivenciaram um desastre natural precisam ser cuidadas e ouvidas para lidar e elaborar o trauma, pois esses eventos desencadeiam emoções intensas, como medo, ansiedade, estresse e sentimento de perda.
Há casos de pessoas que podem adoecer, principalmente aquelas com problemas emocionais preexistentes. Nessas situações, as pessoas podem apresentar medo constante, sentimentos depressivos e ansiosos graves, desejo de morrer ou ideação suicida, uso de álcool e outras drogas, surtos de ansiedade ou surtos psicóticos.
É necessário minimizar os sintomas apresentados, ajudar a restabelecer os relacionamentos sociais e familiares e tratar transtornos mentais associados, como depressão e alcoolismo. “É fundamental encaminhar a pessoa que apresente estresse pós-traumático para acompanhamento por profissionais da área da saúde mental, principalmente psicólogos e psiquiatras”, destaca Jaqueline.
Luto pela história de vida: ansiedade e incerteza em relação ao futuro
Os profissionais da área explicam que as perdas causam impacto na saúde mental das pessoas, pois há um processo de luto envolvendo a história de vida e os vínculos na comunidade afetada pelo desastre. “Este luto envolve tristeza, ansiedade, insegurança no presente e incerteza em relação ao futuro. Há falta de esperança e medo da repetição do trauma”, explica Jaqueline Porto.
Estar presente para ouvir as experiências das vítimas, oferecer empatia e apoio emocional pode ser reconfortante. Fornecer informações claras e precisas sobre a situação também pode ajudar as pessoas a se sentirem mais seguras. “Além disso, é importante evitar julgamentos em relação às reações das vítimas ao desastre. Cada pessoa lida com o trauma de maneira diferente, e é essencial respeitar e apoiar suas necessidades individuais”, sublinha Guilherme Bulcão.
“Cada pessoa lida com o trauma de maneira diferente, e é essencial respeitar e apoiar suas necessidades individuais”
Jaqueline Porto.
Como as crianças são afetadas
Jaqueline Porto e Guilherme Bulcão explicam como o trauma causado pela situação atual pode se manifestar entre as crianças. Segundo os psicólogos, os pequenos podem sentir medo e ansiedade durante e após um desastre natural, especialmente se perderem familiares, amigos ou animais de estimação.
Os pais podem ajudar oferecendo conforto emocional, segurança e explicando o que está acontecendo de uma maneira apropriada para a idade da criança. As crianças podem exibir mudanças de comportamento, como regressão à conduta mais infantis, irritabilidade, dificuldade de concentração e problemas de sono.
Os pais podem ajudar mantendo rotinas consistentes, oferecendo conforto e incentivando a expressão de emoções. Um desastre natural pode abalar a sensação de segurança e confiança das crianças; por isso, os pais podem ajudar oferecendo apoio emocional, enfatizando sua presença e mostrando que estão lá para protegê-las.
Rede de atenção e acolhimento Socioassistencial
Focando na saúde mental da população, a Prefeitura de Montenegro mobilizou profissionais para atuar nos abrigos improvisados em ginásios do município. Os serviços da Rede de Atenção Psicossocial e Socioassistencial da Secretaria Municipal de Saúde e da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Cidadania oferecem acolhimento e acompanhamento às pessoas.
Nos abrigos, assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais e outros profissionais prestam atendimento através de escuta e orientações, visando minimizar o impacto imediato do trauma, interromper o aumento do sofrimento emocional e mitigar sinais e sintomas emocionais.
O município também disponibiliza esses profissionais para atender pessoas em seus lares quando não conseguem se deslocar em busca de atendimento. Para garantir o acesso a esse serviço, a administração pública convocou psicólogos e psiquiatras para trabalho voluntário, incrementando o grupo de servidores que já atuam nesse acolhimento.
A psicóloga Rosane Simon, que atualmente trabalha na rede particular, respondeu ao chamamento e visitou abrigos, conversando com pessoas que deixaram suas casas apenas com a roupa do corpo. “Fiquei sensibilizada e pensei no que poderia oferecer, então vim fazer escutas. É importante que as pessoas possam falar”, comenta.
Rosane explica que, no primeiro momento, o trauma ainda está em evolução; os atingidos buscam por condições para se manterem abrigados e alimentados. Quando as pessoas retornam para casa, começam a perceber a extensão das perdas. “Assim que cheguei, as pessoas começaram a conversar. O que buscam bastante é orientação, querem saber quem vai prestar ajuda, então a gente orienta dentro do possível. Estão tristes, mas percebi que todos com quem conversei têm uma boa perspectiva”, observa Rosane.
“Quando se perde tudo, como nesses casos, o importante é ter acolhimento. A pessoa perdeu tudo de uma hora para outra, sua casa foi inundada, e isso é muito angustiante. Então, ela precisa de apoio”, conclui Rosane.
Desafios da saúde mental em áreas afetadas por desastres naturais
Jaqueline e Guilherme destacam que, em áreas afetadas por desastres como a enchente em Montenegro, há a necessidade de contar com a participação de profissionais de saúde mental tanto da rede pública quanto da iniciativa de trabalhadores voluntários. Pois, as calamidades públicas causam um grande impacto em muitas pessoas, resultando em uma demanda de atendimento psicossocial e socioassistencial acima da habitual.
As condições de trabalho para os profissionais se tornam mais desafiadoras, difíceis e complexas, podendo afetar a própria saúde e bem estar do trabalhador. Os profissionais podem ficar expostos ao trauma secundário, que é o estresse resultante de lidar com o sofrimento da população.
Estar psicologicamente e tecnicamente preparado pode ajudar a reduzir o impacto emocional do trauma associado ao trabalho em desastres naturais. Isso pode minimizar o risco de desenvolvimento de estresse pós-traumático e outros problemas de saúde mental, afirmam os psicólogos. Equipes de resgate e voluntários que estão psicologicamente preparados têm maior capacidade de lidar com situações estressantes e desafiadoras de forma mais eficaz.