“Tio João”, herói com uma morte injusta

Revolução de 23. Jovem Maragato foi vitimado em terra montenegrina

Nos 150 Anos de Montenegro, chegou a hora de recordar do nome de um herói intitulado de forma legítima pelo povo. João Brochier de Azevedo era um jovem na casa dos 18 anos, que não pegou em armas, mas ousou se identificar com o lenço vermelho Maragato. Ele foi uma das mais de 1.000 vítimas da Revolução de 1923, que em 2023 completa 100 anos e é tema estadual da Semana Farroupilha.

Arte: Secretaria de Cultura do RS

Os entrechoques de Maragatos, apoiadores de Joaquim Francisco de Assis Brasil, e os Chimangos, apoiadores do governador reeleito Borges de Medeiros, aconteciam por toda parte. Também aconteceram aqui em Montenegro, onde o episódio mais famoso é o Combate de Vapor Velho/ Cafundó. Todavia, este jovem fazendeiro perdeu sua vida em escaramuça ao sopé do Morro da Fortaleza.

Quem reconta a história é a professora aposentada Glaci Gonçalves Daudt, sobrinha-neta do herói e sétima geração da família Gonçalves. Aos 90 anos, mantém um pequeno museu com mobiliário, livros e documentos na casa construída pelo avô Januário Antônio Simas Gonçalves, no Passo da Pimenta. Todavia, a morte do “Tio João” não está registrada em nenhum escrito dos últimos 100 ou 150 anos. Assim, a descendente não pode confirmar dia e mês do tombamento deste lenço Maragato.

Em rodas de conversa, ouvia dos mais velhos uma história que inicia na comunidade Potreiro Grande, onde seus bisavôs Augusto Dionísio de Azevedo e Faustina Brochier de Azevedo tinham fazenda. Neste contexto é importante ter bem presente a postura política do pai de João, apoiador ferrenho de Assis Brasil, ao ponto chamar o diplomata e latifundiário de “compadre”. Essa postura colocou a família Azevedo no cerne do conflito político de 23.

Povo recepcionou-o na estação
Em ato de pura maldade, seu cadáver teria sido mantido no campo de batalha por dois dias, enquanto na sala da casa de Morena era velado um esquife vazio, à espera do corpo. Com intervenção de pessoas influentes da sociedade e políticos, a tropa Borgista permitiu seu resgate.

O corpo foi levado de carroça até a pequena estação que havia na comunidade de Fortaleza, e transladado de trem à cidade, onde foi recebido como herói por dezenas de pessoas. Sua sepultura na parte antiga do cemitério de Montenegro recebeu inclusive placa dedicatória (não encontrada pela reportagem do Ibiá).

Morro Fortaleza foi refúgio de tropas leais a Assis Brasil e palco de escaramuça entre Chimangos e Maragatos

Glaci sempre ouviu falar desta recepção na Estação Central (hoje Estação da Cultura), em ato digno a um verdadeiro grande homem. “Elas (mãe, irmã e as sobrinhas, incluindo a mãe de Glaci, Clothilde) sofreram muito, porque era o irmão mais moço”, comenta.

Este e outros fatos que se fundem à história do município têm grande significado para a professora Glaci. Do primeiro ancestral que “cravou garrão” nas terras da então São João do Montenegro, Antônio José Gonçalves, seus descendentes Francisco José Gonçalves, o “Tristão do Mato”; Bibiano Antônio, o “Bibiano do Mato”.

Da mesma forma, se orgulha do legado deixado por seus ancestrais De Azevedo; Daudt; Brochier (dos fundadores de Brochier), Simas (dos fundadores de Porto Alegre) e Saticq, que contribuíram no desenvolvimento desta Montenegro sesquicentenária.

Maragato foi pego à traição
A revolta de 1923 foi motivada por fraude na eleição de 1922 que levou levar Borges de Medeiros ao quinto mandato consecutivo. O derrotado Assis Brasil iniciou um levante em forma de guerrilha, após não ver atendido seu pedido de intervenção federal pelo recém-eleito presidente da República, Arthur Bernardes, com quem havia feito aliança.

Por óbvio, Augusto Dionísio pegou em armas e formou um pelotão em Montenegro. Ainda conforme os antigos, a tropa do Maragato estava acampada no Morro da Fortaleza, sob vigilância do exército Chimango, que era formado por milícia civil (Tropas Provisórias) e militares regulares da Brigada Militar.

Professora Glaci tem orgulho de ser descendente do herói e de famílias que contribuiram com Montenegro

A mãe Faustina incumbiu ao caçula sair de Potreiro Grande (região perto de onde é a penitenciária) com destino ao campo de batalha, levando roupas e comida para seu pai. Antes de chegar ao destino, Tio João ainda pernoitou na morada de sua irmã Maria Augusta Brochier de Azevedo, já viúva de Januário Antônio Simas Gonçalves, conhecida como “Morena”, há 7 km do Morro.

Este foi seu último refúgio, hoje morada de Glaci e seu filho Telmo Daudt, na Estrada Cylon Rosa. O relato recebido pela professora é que seu tio-avô chegou a ter liberação dos Chimangos para cruzar a linha de frente com mantimentos, tendo sido abatido, todavia, quando já retornava. Sua morte pode ter ocorrido em fogo cruzado ao iniciar confronto ou em tocaia Chimango. Tio João deveria estar desarmado, pois sequer era soldado engajado à tropa leal a Assis Brasil, mas certamente ostentava o lenço colorado.

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