“Pilotar um caminhão era um sonho de menino”

São nas cabines de caminhão que estão os maiores protagonistas das estradas brasileiras. De quilômetro em quilômetro, eles ajudam a movimentar a economia do País e fazem parte de um importante grupo responsável pelo transporte de quase tudo que é consumido pela população. Nos bastidores dessa categoria de trabalhadores, está o motorista Girlei Mayer, 40, que vê na profissão muito mais que um meio de ganhar a vida. Segundo ele, ser um caminhoneiro significa passar por dificuldades, viver constantemente longe da família, viajar pelo país e, acima de tudo, ter muitas histórias para contar.

Natural de Campo Novo, Mayer mora em Montenegro há 30 anos e é daqui, da Cidade das Artes, que ele tem como ponto de partida para suas viagens. “Eu já andei por quase todos os cantos do Brasil, falta só Boa Vista e Manaus”, disparou o motorista. “O que mais me chama atenção é a diversidade cultural do nosso país, é muito diferença de um lugar para o outro e não são apenas as paisagens e costumes, as pessoas também”, completa.

A admiração pela estrada, conforme o caminhoneiro, surgiu quando ele ainda era pequeno, porém, foi graças a uma produção da TV Globo que ele decidiu tornar o desejo em realidade. “Pilotar um caminhão era um sonho de menino. Me chamava atenção que uma única pessoa poderia conduzir um veículo tão grande sozinha. Mas quando assisti à série Carga Pesada, me encantei completamente pela profissão”, relembra Mayer. “As aventuras que os personagem viviam na ficção era algo que não tinha como não se encantar. Toda viagem uma experiência diferente.”

A série Carga Pesada contava as aventuras de uma dupla de caminhoneiros na estrada, Pedro e Bino, interpretados por Antônio Fagundes e Stênio Garcia. Exibida originalmente entre 22 de maio de 1979 e 2 de janeiro de 1981. A produção teve uma continuação entre 29 de abril de 2003 e 7 de setembro de 2007.

Para matar a saudade, o motorista conta a ajuda da tecnologia e carrega o celular de fotos da família
Inspirado pelos personagens, há 15 anos o caminhoneiro montenegrino busca por suas próprias aventuras.

“Já cheguei a ficar com o caminhão parado no meio do nada, sem comida e sem água, e tive que contar com a ajuda das pessoas para poder me hidratar. Com certeza esse foi um dos piores momentos que já passei a bordo do caminhão”, revela o motorista. “Apesar de alguns contratempos que passei, também tenho boas histórias que aconteceram pelo caminho.”

A riqueza de detalhes com que o caminhoneiro conta as experiências na estrada, revela muita mais que carinho pela profissão, como também, gratidão pelo ofício que lhe aproximou do grande amor de sua vida, a paraense Mirian Guedes, 34, com quem vive atualmente em Montenegro. “Nós, caminhoneiros, fazemos muitos amigos por onde passamos, e foi graças a um casal de amigos em comum que pude conhecê-la”, disse Mayer.

“A saudade é a pior parte”, diz o caminhoneiro
Assim como qualquer outra profissão, a de ser caminhoneiro também trás seus desafios. É o que afirma Girlei Mayer. “Para lidar com a demanda do trabalho, ficamos muito tempo longe de casa e da nossa família, sem contar que, para nós [caminhoneiros], não existem datas comemorativas como aniversários, virada de ano e Natal”, explica o caminhoneiro. “A saudade é a pior parte”, lamenta.

Além da saudade, existem outros grandes desafios para quem vive atravessando as estradas do País. “O medo de assalto sempre existe, mas eu penso que qualquer pessoa enfrenta isso a partir do momento que sai de dentro de casa”, disse Mayer. “A solidão também incomoda bastante, e são nesses momentos que penso na força de Deus.”

Entre as viagens mais longas já feitas pelo montenegrino, está a que ele ficou cerca de 40 dias longe de casa. “Sai daqui de Montenegro, passei por São Paulo, Belém e Bahia”, revela o motorista, acrescentando que, dependendo do trajeto, ele sequer para comer.

Falta reconhecimento
Segundo dados do Banco Mundial, o Brasil tem a maior concentração rodoviária de transporte de cargas e passageiros entre as principais economias mundiais, onde 58% do transporte no País é feito por rodovias – contra 53% da Austrália, 50% da China, 43% da Rússia, 32% da Rússia e 8% do Canadá. Ainda, conforme a pesquisa Custos Logísticos, da Fundação Dom Cabral, a malha rodoviária é utilizada para o escoamento de 75% da produção no país.
Apesar de expressivos, os números não mostram a dura realidade da categoria que atua nos bastidores da economia do país. “Infelizmente não somos valorizados nem pelas empresas para as quais trabalhamos, como também, para sociedade em geral que não percebe a importância do nosso trabalho para que as coisas andem no país”, destaca Girlei Mayer.

“A última greve dos caminhoneiros foi um grande exemplo sobre a importância que o nosso trabalho tem para o Brasil. A categoria parou, e todo o país junto, mas o que poucas pessoas não entenderam é que fizemos isso para termos melhores condições de trabalho”, comenta o montenegrino. “As nossas dificuldades começa desde coisas simples, como poder tomar um banho em um lugar decente, até os altos custos que temos para continuar na estrada trabalhando e poder oferecer uma vida melhor para nossas famílias”.

Girlei e Mirian estão juntos há oito anos e acumulam histórias das viagens que já fizeram na pelo Brasil
Profissão aproximou o caminhoneiro do grande amor
A história de amor entre o caminhoneiro Girlei Mayer e a paraense Mirian Guedes, 34, não poderia ser diferente. Foi graças a um casal de amigos em comum, durante uma viagem do gaúcho ao Pará, que eles se conheceram. “Depois disso, passei a viajar com ele sempre que podia e, juntos, fomos conhecendo mais do Brasil”, relembra a Mirian. “Todo dia estávamos em um lugar diferente”, acrescenta a paraense que há oitos anos divide a vida e sonhos ao lado do montenegrino.

E algumas viagens, Mirian levava as filhas Clarissa e Monique Guedes, atualmente com 14 e 17 anos, respectivamente. Das aventuras, as meninas carregaram por um bom tempo o desejo de seguir a profissão do padrasto. “Nós até brincávamos sobre qual cor seriam nossos caminhões”, revelou Clarissa, que hoje sonha em ser veterinária, enquanto a irmã deseja cursar Comércio Exterior.

Do relacionamento dos dois, nasceu o pequeno Yan Joaquim Mayer, que hoje tem 1 ano e 10 meses. “Quando a Mirian ainda estava grávida, lembro que viajamos para Macau, no Rio Grande do Norte, e um casal de amigos nossos preparou um peixe já bem tarde da noite só para nos receber”, recorda Girlei Mayer.

“São gestos como esses que ficam marcados na nossa memória, pois quem vive na estrada sabe o que isso significa, já que muitas vezes ficamos sem comer e ter o mínimo de conforto para poder entregar a carga”, desabafa o caminhoneiro. “De todos os lugares que eu já passei, o Norte e Nordeste do Brasil foram os que mais gostei,” oberva Mayer.

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