O Outubro Rosa é um movimento global que destaca a importância da conscientização sobre o câncer de mama, incentivando a prevenção e o diagnóstico precoce. Mas, além dos aspectos médicos, uma questão crucial que muitas vezes é deixada de lado é o impacto do tratamento na autoestima das mulheres diagnosticadas. Para abordar esse tema com profundidade, a Rádio Ibiá Web promoveu um bate-papo com três convidadas que compartilharam suas perspectivas e experiências: a psicóloga Paulina Polking; a representante do Banco de Perucas de Montenegro, Kaká Pinheiro, e Janaína Ferraz, que superou o câncer de mama. Juntas, elas discutiram como o diagnóstico e o tratamento afetam a imagem pessoal e a saúde mental das pacientes, bem como as formas de resiliência e apoio disponíveis.
Receber um diagnóstico de câncer de mama é uma experiência desafiadora e frequentemente devastadora. A psicóloga Paulina Polking, que trabalha há mais de 20 anos com mulheres diagnosticadas com a doença, explica que o primeiro impacto costuma ser o susto. “Esse processo de conscientização e de poder falar abertamente sobre o câncer tem auxiliado enormemente”, afirma. Para ela, ao desmistificar o diagnóstico e abrir espaço para discussões sobre o tema, a sociedade vem contribuindo para diminuir o medo e incentivar a detecção precoce. “Isso tem sido extremamente importante para que as mulheres busquem ajuda mais cedo e entendam que esse é apenas um pedaço da vida, não um destino final”.
O tratamento em si, no entanto, é uma etapa que afeta profundamente a autoestima. “Muitas vezes, o que explicitamente mostra que a pessoa está com câncer é a perda do cabelo durante a quimioterapia”, explica a psicóloga. “Isso mexe diretamente com a imagem que a mulher tem de si mesma.” Paulina ressalta que, apesar de todo o sofrimento físico e emocional, as pacientes vêm aprendendo a lidar de maneiras mais positivas com essas mudanças. “Nós temos visto mulheres que enfrentam a queda de cabelo de diferentes formas: algumas recorrem ao uso de perucas com alegria, outras abraçam a nova realidade com a cabeça raspada, até com tatuagens e lenços, o que mostra como essa aceitação tem crescido ao longo dos anos”, comenta.
“Eu só queria viver”
A bebê de Janaína Ferraz tinha apenas quatro meses quando ela foi diagnosticada com câncer de mama. Por isso, compartilha a angústia que sentiu ao receber a notícia. “Foi como cair em um buraco. Eu achava que ia morrer e que não conseguiria cuidar da minha filha”. Janaína descreve como o diagnóstico abalou sua família, especialmente sua mãe, que se recusava a aceitar a realidade. “A minha família estava pior que eu quando eu recebi a notícia. Não pude ter aquele sofrimento que as pessoas têm, porque eu tinha que ser mais forte que a minha mãe. Ela dizia que eu não podia contar para ninguém. Eu respondi: ‘Mãe, é câncer, não é contagioso, e eu vou ficar careca. As pessoas vão perceber e eu não estou preocupada com isso. Eu só quero viver’”, relembra, emocionada.
Mesmo com o apoio da família, Janaína teve que lidar com o impacto psicológico de maneira quase solitária, pois sentia que precisava ser a mais forte de todos. “Minha família estava mais abalada que eu. Eu tive que tirar força, não sei nem de onde, pra mostrar que eu estava bem, não podia me deixar cair, porque minha mãe dependia de mim para acreditar que eu estava bem”, conta. Ela em si, relembra que teve uma boa aceitação do diagnóstico. O momento mais difícil, segundo ela, foi a queda do cabelo, que começou 15 dias após a primeira sessão de quimioterapia. “Eu tinha um cabelão e quando a médica disse que eu ia perder, minha mãe começou a chorar. Mas eu pensei: o cabelo vai voltar, mãe. Eu tenho que ficar bem para cuidar da minha filha.”
Ela relata que em uma das ligações, contou para a mãe que o cabelo estava caindo. “Minha mãe começou a chorar e eu pedi para que ela não fizesse isso, que não me deixasse pior do que eu já estava”, conta. Foi a partir deste momento que ela decidiu raspar o cabelo. Janaína passou a usar lenços coloridos, o que se tornou sua forma de se expressar e de continuar se sentindo bonita. “Eu adorava fazer combinações com os lenços, porque, para mim, era como se fossem meus cabelos”.
Em Montenegro ainda não havia perucas à disposição, como hoje com o Banco de Perucas. Mesmo conseguindo uma em Porto Alegre, ela não fez muito uso. “Como eu tinha uma filha de seis meses quando eu estava careca, eu não podia usar peruca porque ela ia puxar, por exemplo quando eu estivesse no Centro. Então eu optei por usar lenço e eu adorava”, relata. Ela ainda lembra como até o netinho, na época, pedia para que ela usasse o lenço: “Ele me dizia, ‘vó, coloca o lenço, não quero te ver careca’”. Mesmo com toda essa batalha, Janaína destaca: “Dá um baque, mas tem que ter força, não adianta. A vida é o que realmente importa. O cabelo vai voltar, mas o que não pode cair é a nossa vontade de viver””, finaliza.
O Banco de Perucas e o fortalecimento da autoestima
Kaká Pinheiro, representante do Banco de Perucas de Montenegro, destaca a importância de projetos como este no apoio às mulheres que enfrentam a queda de cabelo durante o tratamento. “Muitas vezes são os familiares que nos procuram, porque eles também estão muito abalados. Então, nosso papel é acolher não só a mulher, mas também a família”, explica. Ela conta que o processo de escolha da peruca é feito de forma acolhedora e respeitosa, dando à mulher a chance de escolher entre vários modelos e decidir qual se adapta melhor ao seu estilo e às suas necessidades. “Elas podem escolher duas ou três perucas para levar para casa, usar quando se sentirem prontas. Não há pressão, tudo é feito no tempo delas”, relata.
O Banco de Perucas é voltado para pessoas em situação de vulnerabilidade, que muitas vezes não têm condições de comprar uma peruca, que tem um alto custo. “Sabemos que o tratamento contra o câncer é custoso e muitas dessas mulheres já gastam com deslocamento, exames, medicamentos. Então, as perucas são oferecidas sem custo”, explica Kaká. Além disso, o banco também arrecada doações de cabelo, o que envolve a comunidade no processo de solidariedade. “Recebemos doações até de crianças, e é emocionante ver como elas entendem a importância de ajudar.” Kaká ainda relembra que homens com câncer também podem ser beneficiados, se assim desejarem. O processo funciona da mesma forma, com cuidado e muita paciência.
Autoestima e saúde mental: um elo fundamental
A psicóloga Paulina Polking faz questão de ressaltar que a autoestima está intimamente ligada à saúde mental, especialmente durante o tratamento do câncer de mama. “A autoestima é o gostar de si mesma, e mesmo durante o tratamento, é possível manter esse sentimento. A saúde mental é essencial para que a mulher não perca de vista quem ela é, independentemente das mudanças físicas que está enfrentando”.
A psicóloga acredita que a aceitação e o fortalecimento emocional são fundamentais para que as pacientes consigam atravessar esse período com mais serenidade. “A partir do momento em que se aceita a situação, o medo e a ansiedade podem ser melhor administrados. Não se trata de ignorar o que está acontecendo, mas de tratar com a importância devida e buscar recursos para lidar com isso”. Ela ressalta a importância dos grupos de apoio, como o Amigas do Peito, que funcionam como uma rede de suporte emocional e prático para as mulheres em tratamento. “Nos grupos, as mulheres encontram outras que sabem exatamente o que elas estão passando. É um espaço onde elas podem se abrir sem julgamentos e se fortalecerem mutuamente.”
Paulina lembra que muitas vezes escuta das pacientes que o câncer trouxe uma nova perspectiva de vida. “É comum ouvirmos que o câncer mudou a vida delas para melhor. Não porque a doença seja algo bom, mas porque trouxe à tona a necessidade de viver intensamente e valorizar as coisas simples”, confirma.
Atendimento
Se estiver precisando de atendimento do Banco de Perucas o endereço é diretamente na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Cidadania e Habitação – rua Coronel Apolinário de Moraes, 1705, Centro. Contato: (51) 3632-3715
Atendimento do grupo Amigas do Peito diretamente no setor de atenção integral à saúde da Unimed: (51) 3649-8960