VENENO. Falta de registro das colméias deixa casos sem solução
Mais apicultores registraram mortandade de abelhas em Montenegro, entre os meses de outubro e novembro, devido ao uso indiscriminado de agrotóxicos em propriedades vizinhas. Admar José Schneider perdeu as 20 colméias que tinha na localidade de Serra Velha; enquanto Luís Vanderlei de Azevedo perdeu 13 de um total de 17 colméias que tem na Sanga Funda. “As que sobreviveram estão muito fracas”, revelou Azevedo. Em fevereiro, dois apicultores em Santos Reis encontraram suas abelhas de produção mortas. A semelhança é a presença do veneno para matar formigas Fipronil.
No caso de Santos Reis, um dos afetados comprovou a presença através de exames técnicos. Schneider não fez laudo em Montenegro, mas defende seu argumento através dos sintomas semelhantes à mortandade que sofreu em seu apiário em General Câmara, também recentemente. Naquela cidade perdeu 300 “caixas”, com comprovação técnica da presença de Fipronil. “Este exame é muito caro”, alega.
Um argumento válido para quem teve prejuízo de R$ 500,00 por enxame, e sequer calculou a perda com o mel que não venderá. “Já fui na Delegacia, Patram, Vigilância Sanitária, Secretaria da Agricultura, na Inspetoria Veterinária”, comenta, ao assinalar que nenhum destes órgãos fez um registro oficial. Agora Schneider aguarda audiência com o prefeito Gustavo Zanatta para debater algum tipo de ação de conscientização a respeito do uso do Fipronil.
Este veneno é usado no combate as formigas, sendo, em alguns casos, usado na forma líquida, adicionado ao herbicida Roundup (mata-mato) e pulverizado com trator. O apicultor salienta que a forma correta seria usar a forma granulada e com aplicação direta – e pontual – na “boca” do formigueiro.
O fato é que uma abelha voa até 3 quilômetros para colher pólen, podendo dobrar essa distância em tempos de escassez de comida. Logo, os enxames de Schneider não precisariam voar muito para sair da propriedade com pouco mais de 6 hectares. “Tem plantação de mato, milho, trigo, mas também é usado no citros”, refere-se à comunidade de Serra Velha.
Isso é importante no contexto, pois revela que o veneno nem precisa ser levado pelo vento até as caixas; podendo ser transportado pelo próprio inseto para dentro da colméia. “Temos que acionar os órgãos públicos federais e estaduais para saber o que podemos fazer”, desabafa. O que os apicultores querem mesmo é pedir a proibição do Fipronil no Rio Grande do Sul.
Fepam assinala que há forma certa de uso
O Ibiá recebeu posição oficial da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam), órgão técnico do Sistema Estadual de Proteção Ambiental (SIsepra). A equipe técnica informou que o produto Fipronil pode ser utilizado no Rio Grande do Sul, “desde que a aplicação siga o que está preconizado na bula, ou seja, desde que não seja feita aplicação sobre as folhas nem aplicação aérea”.
Quanto ao caso específico e às punições cabíveis, a Fepam diz que, por se tratar de morte de abelhas, a avaliação compete à Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi). Todavia, até dia 22 de novembro, a instituição não havia recebido nenhum registro de ocorrência sobre o caso.
Detalhe de legalidade no caminho
Indiferente ao fato que tenha havido aplicação incorreta do veneno, no caminho dos apicultores está a falta de registro das colméias. Questionada pelo Ibiá, a Inspetoria Veterinária em Montenegro afirma “não recebe notificações de abelhas desde Janeiro de 2023”. O escritório reitera que o apicultor Admar Schneider não possui cadastro na Inspetoria, “tornando impossível o conhecimento dos fatos”.
Schneider confirma que tem registro apenas das colméias em General Câmara, sendo que em Montenegro foi surpreendido pela fatalidade antes que pudesse tomar providência. Azevedo também não havia registrado as colméias, alegando que faz pouco tempo que iniciou nesta atividade.
A mesma questão legal foi apontada pelo secretário do Desenvolvimento Rural de Montenegro, Ernesto Kasper; além de lembrar que este setor é de responsabilidade do Estado. “Se for à Inspetoria Veterinária, vai constar que há um número mínimo de apicultores que registram suas colméias”, reforçou.
Ele lembra que em reunião para discutir a criação de associação, o órgão informou o registro de 500 caixas no município, todavia, somente um dos presentes tinha mais do que isso. “Se não está registrado, oficialmente elas não existem”, diz, para explicar que este situação limita providências pelo Estado. Mas Kasper não tira o mérito do problema com o Fipronil, apontando como primeiro passo a união entre os apicultores.
SEAPI REITERA NECESSIDADE DE REGISTRO
A observação de Kasper é confirmada pela Secretaria de Estado Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), que informa não ter notificações de suspeita de intoxicação por produtos químicos nos municípios. “Em Montenegro, a última notificação foi em 2022 e em General Câmara, em 2020”, diz o texto. Em relação à investigação de responsabilidade, diz que resultaram inconclusivas, com ausência de elementos para identificar a origem da intoxicação.
A rotina do Departamento de Defesa Vegetal (DDV/Seapi) – quando notificado e constatada a intoxicação por agrotóxicos – é levantar os usuários de ingredientes ativos inseticidas em raio de 2 km. Verificado o uso inadequado, pode ser aplicada multa de até R$ 20.000,00, sem prejuízo às sanções criminais de cunho ambiental. “Para adequada apuração nessas situações, é importante haver a correta declaração dos apiários na área de criação junto à Inspetoria de Defesa Agropecuária (IDA), e a pronta notificação da mortandade na IDA”, confirma.
Comissão Especial na Assembleia
O uso irracional de produtos químicos nas lavouras está entre as pautas da Comissão Especial da Apicultura e Meliponicultura do RS, instalada em outubro na Assembleia Legislativa. Ainda que regulação ou proibição não sejam de competência do colegiado, estão entre os temas de construção de proposições legislativas já em trâmite na Casa; além da pauta reivindicatória do setor a ser votada em plenário ao término das atividades da Comissão. Ao longo dos trabalhos, a Comissão ouvirá produtores e instituições envolvidas em casos de mortandade, como os ocorridos em Montenegro.
Registro de agrotóxicos foi facilitado
O Senado aprovou em 28 de novembro projeto que flexibiliza regras de aprovação, registro e comercialização de agrotóxicos. O PL 1.459/2022 vai agora à sanção ou veto presidencial. O texto aprovado trata de pesquisa, experimentação, produção, comercialização, importação e exportação (prazo máximo para inclusão e alteração de registro, conforme o caso, de 30 dias a 2 anos); além das embalagens e sua destinação final e a fiscalização desses produtos. Entre as principais medidas, está a concentração da liberação de agrotóxicos no Ministério da Agricultura. No entanto, o texto mantém o poder da Anvisa de não aprovar um determinado produto. (Fonte: Agência Senado)