Justiça à memória dos Lanceiros Negros

HERÓIS GAÚCHOS. Combatentes Farrapos estão no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria

A tropa de Lanceiros Negros, grupo de homens escravizados que lutou na Revolução Farroupilha (1835-45), contra as tropas imperiais, foi incluída no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, conhecido como “Livro de Aço”. A homenagem foi instituída pela Lei 4.795/2024, assinada pelo presidente Lula e publicada no Diário Oficial da União em 8 de janeiro.

A proposição foi do senador gaúcho Paulo Paim (PT), que ao Ibiá falou que essa é uma reparação histórica, e que vai muito além de uma simples homenagem. “É resgatá-los, enfim, para a nossa memória. É assegurar a liberdade coletiva e a nossa identidade nacional, trazendo do passado silenciado a sonoridade vivida para o presente”, escreveu.

O político recorda que os negros representam 56% da população atual do Brasil, ainda assim lutam pela liberdade de ter moradia e emprego decente, renda e salário digno para as necessidades básicas. Por fim, Paim ressalta que “90% dos trabalhadores confiscados no trabalho escravo hoje são negros” (Brasil resgatou, em 2023, 3.151 trabalhadores em condições análogas à escravidão).

O sociólogo montenegrino Rogério Santos analisa que através deste reconhecimento, a história da Revolução é revisitada, o que permitirá também reforçar a importância da população negra na formação do Rio Grande do Sul. “Penso que ela é sempre negada e omitida”, afirma. Da mesma forma, joga luz sobre o infame ‘Massacre de Porongos’, excluído da história oficial e dos livros escolares.

Essa “invisibilidade”, recorda o sociólogo, criou uma situação na qual pessoas de outros estados se surpreendem ao conhecerem um rio-grandense preto, pois têm imaginário formado apenas por descendências brancas, como alemã e italiana. Santos vê que a inclusão coaduna com o surgimento de documento oficial da época, que confirma a traição ao batalhão de guerreiros Farrapos, preservado e recentemente agregado ao acervo do Arquivo Histórico do Estado.

Nele a presença dos escravizados na guerra, diante da promessa de liberdade, é descrito como “entrave” aos interesses econômicos dos poderosos promotores do conflito contra a Coroa. “No entanto, o destino dos Lanceiros, que foram traídos na batalha, está sendo discutido pela sociedade nos últimos anos como reflexão sobre a trajetória da população preta no Estado”, avalia.

Soma-se à luta Antirracista
O montenegrino Rogério Santos traz expertise de Doutor em Sociologia e um dos coordenadores do Projeto Resgate do Negro no Vale do Caí, o que lhe garante lugar de fala para apontar uma “lente” que é usada para naturalizar desigualdade e racismo no Brasil. Ele pondera que a mudança deve alcançar, sobretudo, a Educação, partindo na formação intelectual pensamento e sentimento de igualdade, diversidade e integração.

Santos: “Sua importância é negada e omitida”. Foto: Arquivo Ibiá

Na mesma proporção, a abordagem dos Meios de Comunicação de Massa precisa quinar; seja como as novelas retratam a mulher e o homem preto, seja a limitação da imprensa que dá voz para estes apenas em datas específicas, como da Consciência Negra. Sem o que chama de lente, defende o doutor, a mudança de postura se espalhará. “Não é uma transformação fácil de ser feita. Porque o racismo garante à população branca seu lugar de privilégio”.

Santos prossegue, declarando que não há Democracia em uma sociedade racista, pois esta é, sistematicamente, autoritária pelo uso da força para rejeitar as justas reivindicações da maioria. Manter a pobreza, e com pouca representatividade política, exige essa fórmula; mas que em algum momento se volta também contra o povo branco. “O engajamento à luta Antirracismo é um compromisso com a Democracia, com o bom desenvolvimento econômico e com a Humanidade”, declara.

Peão Farroupilha destaca a notória importância
O Ibiá também recebeu a contribuição do tradicionalista montenegrino Gabriel Azeredo de Mello, atual 3º Peão Farroupilha do Rio Grande do Sul. Em seus estudos da Revolução, percebeu a notória importância daquela divisão do exército Farroupilha para o andamento do movimento. “Os negros, que motivados pelos ideais Farroupilha de Liberdade, foram fundamentais em momentos importantes da nossa história”, comenta.

Mello: Lanceiros foram “motivados pelas ideias Farroupilhas de Liberdade”. Foto: Arquivo Pessoal

O reconhecimento oficial aos Lanceiros, avalia o Peão, é muito importante, tanto quanto é necessário. Mello ressalta que desde o princípio, o Movimento Tradicionalista Gaúcho tem como objetivo exaltar a cultura do povo, motivados pela lembrança do decênio de Revolução Farroupilha.

“Então, nada mais justo que o povo negro; que faz parte desta miscigenação que forma o povo gaúcho, contribuindo com diversos aspectos da nossa cultura; tenha um local de destaque na galeria de Heróis e heroínas da Pátria”. O tradicionalista encerra destacando a bravura dos Lanceiros ao sacrificarem as suas vidas a favor dos seus ideais e do território Rio-Grandense.

Livro de Aço
O Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria ou Livro de Aço, é um memorial brasileiro no qual são eternizados os nomes de personagens que foram importantes na construção do Brasil. No memorial, no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, figuram nomes como Zumbi dos Palmares, Zilda Arns, Carlos Gomes e Chico Mendes.

História
Os novos heróis brasileiros fazem parte de um episódio da história do País, sendo protagonistas com exímias habilidades, tanto de montaria quanto em manusear as lanças. De acordo com o jornalista e autor do livro “Kamba’race: afrodescendências no exército brasileiro”, Sionei Ricardo Leão, esse protagonismo foi algo inédito no aspecto de formação de uma cavalaria de escravizados organizada e eficiente.

A tropa foi criada em 1836 – 1° Corpo dos Lanceiros – que era primeira linha das tropas Riograndenses. Em 1838 foi criado o 2° Corpo de Lanceiros. Na traição do Massacre dos Porongos, cerca de 100 soldados desarmados foram mortos por imperialistas, poucos meses da assinatura do tratado de rendição e paz de Poncho Verde.

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