Falta de vagas em creches prejudica famílias

Descaso. Sem ter onde deixar os filhos, mães e pais relatam dificuldades para conseguir ou permanecer no emprego

O início do ano, sobretudo para pais e responsáveis de crianças que precisam de uma das vagas nas Escolas Municipais de Educação Infantil (Emei) de Montenegro, é sempre motivo de dor de cabeça e muita preocupação. Para poder trabalhar, mães e pais dependem exclusivamente do serviço disponibilizado pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura (Smec) que, mesmo diante de inúmeras reclamações, garante que contempla as demandas do município.

Mãe de duas crianças, uma de 2 anos e outra de 4 meses, a montenegrina Luana dos Santos Maciel faz parte do grupo de pessoas que espera por uma das vagas na rede pública de educação infantil na cidade. Sem ter com quem deixar as crianças, ela conta que depende de creche para poder voltar ao mercado de trabalho após ter o segundo filho.

“Meu pai ficou de conseguir um serviço para mim, mas antes, eu preciso ter a certeza de que meus filhos terão onde ficar, já que não tenho com quem deixar”, disse Luana, afirmando que esteve na Smec e explicou a situação. “Disse que tenho um emprego na mão, mas dependo disso, e eles falaram que não tem vaga na instituição e que tem mais de 10 crianças na frente dos meus filhos na lista de espera”, detalha a montenegrina, que precisa de vaga em turno integral.

Na busca por mais oportunidades, a operadora de produção Patrícia Trindade Ribeiro mudou-se com toda família para Montenegro, onde logo conseguiu emprego. “Logo que entrei, comecei a procurar creche porque trabalhava no turno da noite e cuidava da minha filha durante o dia, mas essa rotina ficou muito exaustiva, pois quase não dormia”, relembra Patrícia, que espera por uma vaga em turno parcial há quase um ano.

Na Smec, Patrícia conta que foi informada que não teria vaga para a filha porque ela estava em condições de cuidar da criança durante o dia, o que a obrigou a defender o direito de poder dormir e descansar. “Ela [funcionária da Smec] disse que eu tinha que ter pensando nisso antes de fazer filhos”, acrescenta a operadora de produção, que ficou consternada com a falta de respeito e profissionalismo da atendente na entidade.

Outra queixa recorrente entre os pais que buscam a rede pública de ensino infantil é a demora no atendimento, além da falta de transparência em relação à quantidade de vagas disponível em cada instituição. Conforme a prefeitura, o município disponibiliza 13 escolas que acolhem as crianças – de zero a três anos e onze meses de idade – por zoneamentos, com um total de 2928 vagas, com turno parcial e integral. Ainda, de acordo com o órgão, “todos que buscam [turno parcial] ganham”, enquanto que no turno integral, “apenas famílias que necessitam por trabalho dos genitores, ou em caso de vulnerabilidade social”.

Apesar da afirmação, não foram poucas as reclamações que chegaram até o Jornal Ibiá de pais que compartilham das mesmas dificuldades de Luana e Patrícia, que seguem sem previsão de quando irão conseguir vagas para os filhos em uma das creches de Montenegro. “Eu fico preocupada porque moro de aluguel, e como só meu marido trabalha, eu preciso ajudar também. E essa não é a primeira vez que me vejo nessa situação”, desabafa a dona de casa.
Para o atendimento em Emei, atualmente o município disponibiliza vagas para 90% da demanda por turno parcial, ficando de fora praticamente apenas as crianças de Berçário 1, que ainda não completaram os quatro meses (idade mínima exigida para ingressar na escola). É o que afirma a Smec. “A Solicitação por turno integral é atendida numa média de 80% da demanda, sendo também que a etapa que mais tem lista de espera é o Berçário 1, que acolhe um menor número de alunos por turma, devido aos intensos cuidados necessários com os bebês”, destaca a secretária de Educação, Rita Carneiro Fleck.

Fluxo de disponibilização de vagas
O Plano Nacional de Educação (PNE), reconhecendo o desafio para os municípios quanto a disponibilização de vaga em creche, estabeleceu uma meta de 50% de atendimento até o ano de 2024. O Plano Municipal de Educação – PME, estabeleceu a meta de 50% até o ano de 2020. “Vemos hoje que Montenegro supera essa meta em 40% dos atendimentos”, destacou a secretária de Educação, que ainda lembrou que a pré-escola é universalizada e, portanto, não existe lista de espera. “A Smec disponibilizou neste ano, 401 (quatrocentas e uma) novas vagas até 10 de fevereiro de 2020. A média de procura é de 10 a 15 inscrições por semana”, completa.

Smec afirma bom atendimento, mas pais contestam
Questionada sobre os motivos que levam à longa espera de alguns pais em conseguir vagas nas creches, como os citados pela reportagem, a Smec alega não existir demora para turno parcial, “apenas por turno integral, e mais especificamente no nível de Berçário”, afirma a secretária de Educação, Rita Carneiro Fleck. “Hoje o município de Montenegro, no vale do Rio Caí, se destaca por atender quase a totalidade da sua demanda manifesta, com professores especializados nos dois turnos”, acrescenta a Rita.

Na espera por uma vaga para os filhos de 11, 9 e 3 anos, a faxineira Doralice de Almeida Duarte contesta as informações da secretária de educação. “Eu vim de outra cidade com meus filhos. Eu e a minha vizinha estamos lutando para conseguir vagas na creche e na escola para as crianças”, explica Doralice.

Para Patrícia Trindade Ribeiro, além da demora, o excesso de burocracia dificulta ainda mais a vida das famílias que precisam do serviço. “As pessoas que trabalham precisam de uma escola e creche para os filhos, mas eles [Smec] dificultam muito. Eu não entendo como é que uma cidade que oferece tanto emprego para gente de fora, não tem capacidade de oferecer esse tipo de apoio”, desabafa a operadora de produção, que foi orientada a entrar na Justiça para garantir o direito.

Defensoria Pública garante direito às famílias
Contatada pela reportagem do Jornal Ibiá, a defensora pública Simone Lisboa, destacou que as queixas em relação à falta de vagas nas creches são recorrentes na Defensoria Pública Estadual de Montenegro (DPE/RS). No decorrer do ano de 2018, relembra a defensora, foi observado pelo órgão, um grande número de ajuizamentos de ações que visavam o fornecimento de vaga na educação infantil no turno integral.

“Diante disso, e entendendo que cabe ao Poder Público Municipal disponibilizar vagas na educação infantil a todos munícipes que necessitam, a DPE/RS de Montenegro ajuizou Ação Civil Pública [processo nº 018/5.18.0000308-0], postulando, liminarmente, a determinação judicial para que o município disponibilizasse vaga e acessórios em escola de educação infantil, não distante mais do que 500m da residência da criança, no prazo máximo de 30 dias a contar da data de inscrição, a toda criança na faixa etária de zero a 6 anos”, recorda a defensora.

Após dois anos, o órgão continua recebendo as mesmas reclamações da população. Conforme a DPE/RS Durante o período de janeiro de 2019 a fevereiro de 2020, foram ajuizadas diversas ações de cumprimento de decisão, visando o fornecimento de vaga em educação infantil no turno integral. Em 15 de agosto do ano passado, foi realizada audiência nos autos da ação civil pública, a fim de analisar a possibilidade de conciliação. No ato, foi proposto pela Administração Municipal a disponibilização de vaga em educação infantil no turno integral de forma imediata a todas as crianças que ajuizaram ação judicial, comprovando o preenchimento dos critérios de vulnerabilidade, desde que independente de zoneamento e de fornecimento de transporte.

“A oferta é válida aos assistidos pela Defensoria Pública que optarem por aceitar os termos do acordo”, destaca Simone. “Quanto àqueles que não desejam aceitar os termos do acordo, não sendo disponibilizada a vaga nos termos da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça, é possível ajuizar cumprimento de decisão”, elucida a defensora. Neste caso, a pessoa deve, primeiro, solicitar a vaga administrativamente ao Município, acrescenta Simone.

Dois anos após ação judicial, Defensoria Pública continua recebendo reclamações

“Não sendo atendido no prazo de 30 dias, deve buscar atendimento na Defensoria Pública, a fim de receber orientação jurídica e lista de documentos que devem ser trazidos para instruir o pedido de cumprimento de decisão e comprovar que a pessoa preenche os requisitos do acórdão. No curso do cumprimento de decisão, não havendo atendimento pelo Município, é postulado bloqueio de valores nas contas municipais”, orienta a defensora.

Enquanto isso, Creche do Centenário segue sem previsão
As contradições parecem não se limitar apenas entre relatos de pais que buscam desesperados por uma vaga na rede municipal de ensino infantil e as informações dadas pela Smec. Enquanto famílias inteiras são prejudicadas pela falta de vagas, no início do mês chegou até a Câmara de Vereadores de Montenegro um projeto de lei da Prefeitura pedindo a abertura de crédito especial no valor de R$ 833.924,88. O montante é para a conclusão da creche do bairro Centenário, cuja obra teve iniciada há quase quatro, mas ainda não foi concluída.

A construção do prédio estava orçada no projeto original em um valor total de R$ 1.403.607,20. Com o novo projeto de lei, no entanto, que o custo foi atualizado para R$ 1.447.077,33. A alta é de mais de R$ 43 mil.

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