Alfama. Sociedade foi o centro da comunidade e atraía público de todo o Vale do Caí
Os anos dourados passaram e os dias de glamour da Sociedade Cultural Cruzeiro do Sul estão chegando ao fim. Depois de ser centro social do Vale do Caí, atualmente, o imponente salão na localidade de Alfama está abandonado. Os jovens não se interessam mais pelas antigas tradições, deixando apagar uma memória que faz parte da própria comunidade. Quem sabe da história de Montenegro.
Na manhã da última quinta-feira, 16, a reportagem do Ibiá encontrou dona Vera Motta varrendo a calçada e observando o prédio no outro lado da rua. “Vão reformar?”, perguntou logo ao ver o último presidente da sociedade, Edmilson Buenos dos Santos acompanhando as fotos. A idosa de 69 anos falou com saudade dos grandes bailes, dos almoços de domingo e da festa do Rei e Rainha do Tiro.
Então, puxou da memória para contar que foi sua avó, dona Paulina Berguel Kranz, que inaugurou o Salão Cruzeiro do Sul como um salão particular. Além de pista de dança, aquele era o “secos e molhados” da região. “Vendia desde prego, tecido, até ovo, manteiga. Era uma casa comercial”, explica. A noite e nos fins de semana, arredavam as mesas e começava a dança.
Era dias de gloria entre as décadas de 50 e 70 que transformaram-no no “melhor local de festa do Vale”. Há cerca de 47 anos as herdeiras assumiram e 1988 venderam o prédio à antiga sociedade Tiro ao Alvo do Faxinal, que depois passou às mãos dos moradores através de quadro de sócios. Ainda assim, a grandeza foi mantida. Agora, ela vê com tristeza tudo acabar.
Ninguém quer ser o novo presidente
Santos assumiu a presidência por dois anos em 2015, e por um ano e meio teve grande colaboração. “A gente queria dar uma renovada ali”, explicou, referindo-se à ideia de atrair os jovens para participarem da Sociedade. Todavia, ao término da gestão em 2017, não apareceu ninguém na assembleia ordinária interessado em assumir a responsabilidade.
E assim, Bueno testemunhou o último evento antes das portas se fecharem definitivamente, com o Baile do Rei e da Rainha do Tiro, em janeiro de 2016. Essa recordação se uniu a outras, como sua festa de casamento e a primeira comunhão da esposa Graziele Kranz Bueno. Igualmente outros casais e famílias festejaram, bailaram e foram felizes naquela pista de dança, na copa e nas pistas de bolão e bocha.
Nos bailes onde não podia dançar colado
O casal Carlitos João Kranz, 74 anos, e Lucia Kranz, 68, pais de Graziele, têm sua história ligada ao salão; apesar de terem se conhecido em um baile em Harmonia. O agricultor foi membro de uma diretoria, e lembra quando foi fiscal da dança. Eram tempos em que os homens vinham de terno e gravata, não se bailava colado e não podia beijar.
Segundo ele, a Sociedade foi fundada em 1962, com uma força que pode ser compreendida pela existência da bandeira oficial, que era conduzida nos sepultamentos dos sócios. Também presenciou o incêndio há 20 anos que dizimou o prédio original, assim como a construção da atual parte em alvenaria. Carlitos não mostrou orgulho ao lembrar, ainda, dos tempos em que pessoas negras não podiam participar dos bailes.
Ele prefere falar dos títulos conquistados no bolão e no tiro ao alvo. Lucia lembra da grandeza dos bailes de Kerb e do Rei do Tiro. “Isso é que dava uns bailes! Isso enchia”, diz, lembrando que vinham até de outras cidades. Até o almoço de domingo era um evento familiar famoso. “Hoje em dia os novos têm que tudo trabalhar… em sábado. Quando eles vão organizar um baile? E os velho tão se acabando”, explica a esposa. Sonhando que tudo pode voltar a ser como antes, Lucia defende que a parte de alvenaria ainda pode ser usada. Já Carlitos não tem esperança, devido ao desinteresse dos jovens. “Vai terminar tudo. Em tudo que lugar do interior, vai acabar tudo”, lamenta.