Crônica do primeiro dia

Dia 21 de março de 2020 foi um sábado. O dia não podia ser mais bonito: céu intensamente azul, sem uma nuvem. Parecia até o céu da Provance, na França, que conhecera poucos anos antes, e que inspirou tantos pintores famosos .

Mas a sensação era estranha, diferente, opressiva. Era o primeiro dia da quarentena, a minha prisão domiciliar. Normas, Regulamentos, Decretos… restringiam a mobilidade e a circulação de pessoas. Só farmácias, mercados, bancos e estabelecimentos de saúde poderiam funcionar. A partir de então, repetido à exaustão, o FIQUE EM CASA. Cometi uma transgressão e saí. Na Casa do Agricultor, só 03 ou 04 bancas funcionando e quase ninguém para comprar. No Café Colonial, nenhum cliente. E a Ramiro vazia. Lugares para estacionar, lojas fechadas, quase ninguém de carro ou caminhando. Uma cidade fantasma.

E no domingo parece que foi ainda pior. Apenas céu azul e silêncio. Ninguém nas ruas, nem carros, nem buzinas, nem freadas, nem gente. Peço que se socorram da Internet, para ouvir a música genial do Raul Seixas, O DIA EM QUE A TERRA PAROU. Feita de encomenda…

Quanto tempo duraria a pandemia? Haveria vacina? E tratamento? Ninguém sabia nada. O mundo precisava trocar os pneus com o carro em movimento.

No Brasil, pouco mais de 1.100 casos e 18 mortes. Mas na Itália, quase 800 óbitos ao dia. E aquela cena chocante do comboio militar saindo de Bérgamo, levando os mortos para outras cidades porque o crematório local não dava conta do recado.

Logo a pandemia chegaria a Montenegro, com o primeiro caso, e a primeira morte. Com nomes, CPFs e endereços conhecidos.

Jornais de TV mostrando ambulâncias, feito moscas tontas sem lugar onde deixar os pacientes; superlotação dos hospitais; cemitérios improvisados; câmaras frias em hospitais; idosos nos asilos com direito a não mais do que “abraços de plástico”.

Claro que também tive medo. Não o de adoecer, mas de não ter um leito, um respirador, um kit entubação ou oxigênio. E morrer com a pior das fomes, a da falta de ar.

Costuma-se dizer que os homens aprendem de duas maneiras: pelo amor ou pela dor. Uma vez, conversando com meu filho Vitor Hugo, lhe disse ter a expectativa de que com tanta dor, teríamos ao final como resultado, um mundo mais puro, mais fraterno e solidário. E ele, olhar meio irônico, me disse:“Pai, não te ilude. Quando tudo passar, em pouco tempo as pessoas vão esquecer, e continuarão a ser como sempre foram”.

Dia 13 de fevereiro, segunda feira. Andava de carro, com o rádio ligado. Ouvi uma notícia, sem destaque. Pela primeira vez, desde o início da pandemia de Covid-19, não fora registrado no Brasil nenhum óbito pela doença. Deveria ter sido a melhor notícia desde 21 de março de 2020. À noite, os jornais de TV muito pouco repercutiram.

E me pergunto de novo: o mundo ficou melhor? Com a estúpida guerra da Ucrânia já durando mais de um ano, que resposta lhes devo dar?

Grande abraço.

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