Pois devo começar confessando que tenho cometido o pecado da inveja, um dos sete pecados capitais. Mas estou pensando até em tentar uma negociação com Deus, pedindo um abrandamento de pena. É bem simples e explico. Classifico minha inveja como uma boa inveja. É a que sinto dos avós de vários netos, e mais ainda, que tem netos morando perto. Não é o meu caso. Cerly e eu só temos uma neta, a Alice, com quase 10 anos, e que mora em S.Paulo. Tentamos compensar pelos encontros virtuais que a tecnologia permite, e pelos encontros presenciais mais eventuais. No mês de março passamos quase 10 dias juntos. E como foi bom…
Quando criança, convivi pouco com meus avós. Gostaria de ter estado mais com eles, ouvido mais histórias, escutado mais vezes o clássico“no meu tempo …“. Mesmo que, por esquecimento, contassem mais de uma vez as mesmas coisas. E por que foi assim? Por que netos e avós conviviam menos no passado do que hoje? Culpa de alguém? Por certo não. Outros tempos, de mais distanciamento físico, mas também afetivo.
Há setenta ou oitenta anos passados, morar a 50 ou 100 km de distância era quase uma sentença de separação familiar. Mas além destas limitações, físicas ou geográficas, acho que um outro fator deve ser também levado em conta. Em muitas famílias, pelo menos nas de origem germânica e no interior, que é o meu caso, parece que havia menos afetividade do que hoje. A educação era mais rígida, mais severa. Pais e até avós eram mais lei e menos afeto. Se os netos do passado perderam muito, acho que também os avós perderam. Netos fazerem avós virarem cambalhotas e se prestarem a todo o tipo de criancices, não era comportamento tão habitual quanto hoje. Os mais velhos tinham que ser ou parecer mais sérios, mais duros.
Felizmente somos hoje muito mais livres ou libertos, para demonstrações de carinho e afeto entre pais e filhos, entre netos e avós. Por que não aproveitar ?
Se eu pudesse ter gravado meus avós em conversas que não tive, anotado relatos que não ouvi, quanto material eu teria hoje, para enriquecer meu acervo de memórias. Não precisaria nem ser ficcionista para escrever belas crônicas, porque sua vida simples e real forneceria material para lindas histórias, ainda que singelas e ingênuas. Histórias de vida, que escaparam e se perderam. Como é bom ser avô, como é bom ter netos. Mesmo como neta única, e que mora longe, a Alice nos dá muitas alegrias, a mim e a Vovó Cerly. Sinto que ela valoriza e corresponde. Gosta muito que a avó lhe conte histórias, não as dos livros, mas as que ela chama de “histórias de verdade”, que são os relatos de vivências da avó ainda criança.
Avós, nos permitamos ser com nossos netos as crianças que talvez não fomos, para que nossos anos de maturidade tenham um novo sentido, que, talvez, quando mais moços, não imaginássemos ser possível existir.
Grande abraço.