CONSTRUÇÕES de edifícios em bairros da cidade geram preocupação
Na noite da segunda-feira, 23, a Câmara de Vereadores de Montenegro abriu as portas para a segunda audiência pública que objetiva discutir e apresentar propostas de alterações nas leis complementares que compõem o Plano Diretor do Município. O evento despertou o interesse de cidadãos preocupados com as mudanças sugeridas, especialmente em relação à possibilidade de construção de edifícios em vias dos bairros designadas como “conectoras”.
Os projetos de lei complementares nº 80 e nº 81/23, juntamente com o projeto de lei nº 82/23, que trata do Sistema Viário, estiveram no centro das discussões. As arquitetas Letícia Tonietto e Valéria Wollmann, representantes da Secretaria Municipal de Gestão e Planejamento (SMGEP), apresentaram as alterações indicadas.
Tais propostas são estudadas há alguns anos, com a participação do Conselho Municipal do Plano Diretor (Complad), que é formado por representantes de diversos segmentos da sociedade civil. Em 2020, uma reunião ordinária aprovou a minuta da Revisão do Plano Diretor, com dois terços dos votos favoráveis. Em 6 de julho do ano passado, a Administração Municipal também promoveu uma audiência pública para debater o tema.
O novo Plano Diretor visa concentrar o crescimento da cidade nas áreas já dotadas de infraestrutura, ao invés da expansão dos bairros que exigiria novos investimentos. Segundo a arquiteta Valéria, essa estratégia já é utilizada em grande parte das cidades brasileiras, e permitiria construir em locais que já dispõem de escolas, postos de saúde e infraestrutura básica, reduzindo a necessidade de expansão territorial.
Opiniões e preocupações foram expressas, destacando-se o debate sobre as vias conectoras, que podem vir a ter prédios de até oito andares, somando dez pavimentos com as garagens. Cidadãos e especialistas manifestaram inquietações a respeito de infraestrutura, desvalorização de imóveis e outros impactos na qualidade de vida.
Diversas vozes se levantaram para questionar este item, apontando a necessidade de uma avaliação rigorosa para evitar problemas futuros. Também foram levantadas preocupações em relação à segurança pública, poluição sonora, saneamento, fornecimento de água e energia, e sua influência sobre a qualidade de vida e valor dos imóveis.
Após ouvir a explanação dos montenegrinos que se inscreveram para falar, o presidente do Legislativo, vereador Felipe Kinn da Silva, sugeriu a criação de um grupo técnico para avaliar os pontos destacados. Outras sugestões ainda podem ser encaminhadas ao Poder Público até o dia 8 de novembro, pelo e-mail: [email protected].
Pedido de atenção dos vereadores antes da votação
A intenção do Poder Executivo é ver as leis complementares aprovadas até o final deste ano, para que passem a valer a partir de 2024. Contudo, alguns cidadãos estão preocupados com a celeridade do andamento desse processo. “Minha proposição é para que os vereadores olhem com muita atenção essa alteração”, disse o coronel da Reserva da Brigada Militar, Leodimar Aldo Mantovani.
Ele está apreensivo com a ideia de permitir edifícios nas vias conectoras. Em sua avaliação, algumas questões precisam ser cuidadosamente revistas, uma vez que podem impactar negativamente na tranquilidade dos moradores, com geração de insegurança e poluição sonora, entre outros pontos. “Minha proposição é para que os vereadores olhem com muita atenção essa alteração para as vias conectoras, por que vai trazer vários prejuízos. Depois de erguido um prédio de 10 andares, vai ficar lá por mais de 100 anos incomodando, criando problemas”, disse o militar da reserva. Ele alertou ainda para o potencial decréscimo no valor dos imóveis vizinhos, afirmando que é notoriamente difícil vender uma casa próxima a um edifício em bairro.
Já Marcelo Cardona, empresário e presidente do Complad, contribuiu com uma perspectiva sobre o desenvolvimento urbanístico. Ele compartilhou sua visão de que a lógica da cidade, que historicamente foi horizontalizada, precisava ser invertida. Segundo ele, essa prática construtiva levou a um bairro Centro vazio, limitado a “caixas” ao longo da rua Ramiro Barcelos, principalmente devido à inviabilidade econômica de construir grandes prédios (verticais) nessa área. Em contrapartida, os bairros, mais viáveis, passaram a ser verticalizados. A solução proposta é adensar o Centro e modificar essa lógica, passando a verticalizá-lo.
Quanto à periferia, Cardona alertou que, se não houver alteração em relação à construção nas zonas estruturais, a verticalização seguirá priorizando as vias conectoras, justamente por serem ligação as áreas residenciais. Ele enfatizou a importância de limitar as zonas estruturais para evitar uma verticalização excessiva em locais inadequados.
O corretor de imóveis Joel Kerber defendeu a tendência de verticalização, mas propôs que haja planejamento por quadras, evitando a desproporcionalidade. Ele argumentou que permitir a construção de um único prédio de 15 andares em uma quadra, por exemplo, poderia criar uma paisagem desequilibrada. Kerber sugeriu uma abordagem mais equitativa, planejando áreas de forma que diferentes regiões possam desfrutar do crescimento vertical de maneira equilibrada.
Opiniões diferentes
A discussão sobre a verticalização em determinadas áreas da cidade gera opiniões divergentes. Para Sabrina Krug, síndica profissional, a instalação de novos prédios é vista como algo positivo. Ela destaca que os condomínios situados nos bairros não representam um problema, ao contrário, oferecem aumento na segurança, por exemplo.
“Sou síndica de 24 condomínios e tenho a experiência para afirmar que condomínios são uma adição positiva.O problema na cidade é outro, são os condomínios invisíveis que têm mais de 30 anos e nunca passaram por nenhuma revisão ou laudo de marquises e fachadas, já que isso não é obrigatório. Isso é que deveria estar em debate, pois contribui para a segurança de todos”, enfatiza Sabrina.
Críticas à discussão do Plano
Rafael José Altenhofen, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Caí, alega que o formato da audiência não proporciona a profundidade necessária para debater um assunto tão abrangente e importante. Ele argumenta que a Câmara de Vereadores deveria criar um processo mais detalhado para analisar cada um dos itens do Plano Diretor, enfatizando que não é adequado lidar com um plano tão complexo de maneira simplista.
Uma de suas críticas mais contundentes diz respeito ao tratamento de saneamento no município. Altenhofen observa que Montenegro sequer implementou seu conselho de saneamento, apesar de a lei que o estabelece existir desde 2018.
Ele também levantou questões legais, observando que o Plano Diretor foi encaminhado ao Conselho do Plano Diretor sem a assinatura de um responsável técnico, o que, segundo ele, é uma violação da lei. Ele argumenta que a responsabilidade técnica é essencial em documento de tal importância.
Contribua com o Plano Diretor
A comunidade ainda pode encaminhar sugestões às leis complementares do Plano Diretor. Dicas, críticas e opiniões podem ser encaminhadas ao Poder Público municipal até o dia 8 de novembro, pelo e-mail: [email protected].
Desafios a serem enfrentados para o crescimento da cidade
Leonardo Müller Garateguy, mestre em planejamento urbano e professor na Ulbra campus Torres, trouxe considerações sobre o crescimento planejado da cidade e destaca que é fundamental determinar onde e como a cidade crescerá. Ele classifica a ideia de densificar bairros infraestruturados como “uma alternativa interessante para evitar que a cidade se espalhe pelo território”. Isso, segundo ele, reduziria as distâncias, melhoraria a eficiência e beneficiaria especialmente a população de menor renda, que enfrenta desafios financeiros relacionados ao transporte e ao tempo gasto em deslocamentos.
O especialista ressalta a importância de captar parceiros que possam empregar recursos para melhorar a infraestrutura urbana, especialmente à medida que a cidade cresce. Ele cita o exemplo de Porto Alegre, onde a prefeitura avalia permitir que empreendedores construam mais pavimentos em troca de apoio financeiro para a limpeza do Arroio Dilúvio.
Garateguy também menciona o Estudo de Impacto de Vizinhança, previsto pelo Estatuto das Cidades, como um instrumento importante para avaliar e negociar os impactos de empreendimentos nas comunidades. No entanto, alertou que o ímpeto empreendedor pode ser tanto uma oportunidade solução quanto um problema, caso não seja bem gerido.
“Não sou contra a verticalização! Mas é necessária uma discussão aprofundada sobre onde e como ela ocorre”, afirma. O professor destaca a adaptabilidade do mercado às políticas do Plano Diretor, afirmando que os incentivos devem direcionar os empreendedores para áreas específicas. Ele menciona o município de Osório como exemplo, onde se incentivaram edifícios de até quatro andares no Centro da cidade, mantendo o comércio no térreo, promovendo uma ocupação urbana mais eficiente.
Garateguy enfatiza a importância de otimizar o uso das cidades e evitar o crescimento descontrolado, que impacta negativamente o Meio Ambiente e a mobilidade. Ele também destaca a necessidade de uma legislação flexível e da preparação do Poder Público para operar de forma eficaz com as leis urbanas. Para ele, o envolvimento da comunidade na discussão do Plano Diretor deve ser constante, e não se limitar apenas às audiências públicas, apontando que o plano de Montenegro parece estar demorando muito para entrar em vigor.