Depois de um dia inteiro de passeios pelo Lago Titicaca, no Peru, voltei para casa (a qual chamamos de Analuz) sem conseguir tirar da cabeça certo momento da história. Vamos imaginar: em um dia qualquer, alguém percebe que as plantinhas presentes na água não estão presas ao solo, e sim, flutuam. E aí, passa pela mente desse ser humano que é possível morar ali, comer a plantinha, fazer cama, brinquedos e novos barcos com esse mato que não afunda. Louco, né?
Não sei dizer exatamente como essa história aconteceu, só sei que até hoje os Uros, um povo milenar, vive no Lago Titicaca em ilhas flutuantes feitas de Totora, a tal plantinha que não afunda. Lá, eles mantêm vivas diversas tradições de seus ancestrais, dentre elas, a manutenção e construção das ilhas flutuantes, que hoje chegam a mais de 120.
O Titicaca possui 8.562km², tendo 186km de extensão por 70km de largura, porém, todas as ilhas flutuantes estão concentradas na Baía de Puno, um “braço” do lago navegável mais alto do mundo, que está a 3810 de altitude. Elas são pequenas, sustentam poucas casas e uma área de convivência. Porém, nos últimos anos, se criou uma estrutura bem grande para que os moradores tenham acesso à educação e saúde, por exemplo, sem sair da região. Por isso, atualmente, existe a ilha da escola, a ilha do posto de saúde, a ilha do centro comunitário.
Ao chegar nas ilhas, todos os barcos de turismo passam por uma espécie de pedágio. Ali, o presidente dos Uros indica para qual ilha cada embarcação deve ir. Assim, segundo eles, acontece uma rotatividade maior, e todas as famílias recebem a mesma quantidade de visitantes por mês.
Fomos direcionados à “Suchi Maya – Isla de los Uros”, cuja presidenta é Amélia. Ela, seu marido e filhos dividem o espaço com outras quatro famílias, cada uma em uma “vivienda” (casa), um total de 22 pessoas. Segundo Amélia, grande parte das ilhas vive em um sistema de matriarcado, no qual são as mulheres que assumem lideranças tanto em suas casas, como na comunidade.
Amélia nos explicou (em um dialeto local, traduzido pelo nosso guia Abel) que os moradores levam quase um ano para “construir” uma nova ilha, e isso só acontece quando outra está muito antiga e/ou não teve a manutenção adequada. Cada povoado flutuante tem em sua estrutura 1,5 metros de raiz de Totora e a mesma altura de folhas, colocadas na horizontal, em sentidos diferentes, formando uma trama, que dá mais segurança e estabilidade.
Mesmo com três metros de estrutura, é possível perceber o movimento do solo. Olhando contra o horizonte, vemos as casas se mexendo. E para evitar que as cidadezinhas sejam transportadas para outros locais do lago, todas têm de três a cinco âncoras, que as fixam no chão (claro, essa é a parte mais rasa do Titicaca). Dizem que antigamente, durante épocas de muito vento e movimento forte da água, algumas ilhas foram parar na região Lago Mayor, já fora da baía.
De onde vem a Totora? Do que eles chamam de pântano. Ela cresce no lago mesmo e se concentra em uma região bem extensa. Quase diariamente eles cortam o que precisam para comer, arrumar as casas ou substituir parte do piso.
Curiosidades sobre os Uros
Motel
A região do pântano, onde estão as Totoras, também serve de motel para os moradores das ilhas. Exatamente! Imagina morar em uma ilha com cinco casas e mais de 20 pessoas. É impossível ter um cômodo vazio para noites românticas. Então, em seus barquinhos de Totora, os Uros passeiam pelo pântano para namorar.
Bolívia
A área conhecida como “Lago Mayor” é a que faz fronteira com a Bolívia, e pode chegar a 300 metros de profundidade. Os peruanos dizem que só 40% do Titicaca pertence aos bolivianos, o que é contestado por eles, obviamente.
Flúor
Além de servir para construção, a Totora também é alimento para os Uros. E pasta de dente! Como a folha contém muito flúor e eles passam o dia mastigando isso, o povo tem dentes extremamente limpos e saudáveis, mesmo não tendo hábitos de higiene como conhecemos.
Sobrevivência
Os Uros comem basicamente peixes, ovos e aves, além de outros itens básicos de alimentação que compram na cidade de Puno com dinheiro exclusivamente do turismo. Eles também praticam o câmbio: oferecem peixes, ovos e artesanatos em troca de lãs, batatas e carne, por exemplo.
Como conhecer os Uros
Pelo Peru, o passo a passo é bem simples. É possível comprar o passeio para as ilhas flutuantes diretamente no Porto ou por alguma agência de turismo. A passagem de barco pode custar de $ 10 a $20 soles, aproximadamente de R$ 12,00 a R$ 25,00. Do Porto, saem em três horários: às 9h, às 12h e às 15h. Todos ficam aproximadamente 1h30min nas ilhas.