Franciscano teve reconhecimento mundial na luta pelos pobres e pelo Meio Ambiente
O Vale do Caí iniciou a semana sob tristeza profunda, com a morte do cardeal Dom Cláudio Hummes, aos 87 anos, por volta da 9h desta segunda-feira, 4. A perda foi de um grande ser humano, um amigo, filho das terras de Montenegro, que orgulhava sua comunidade pela postura humanitária. Uma consciência social que não poderia colocá-lo em outro caminho, se não o da Ordem Franciscana dos Frades Menores; e que culminaria em forte atuação em favor dos trabalhadores do ABC Paulista, inclusive abrindo a igreja para os metalúrgicos grevistas em 1970.
Nasceu montenegrino, em 1934; no distrito que hoje é o município de Salvador do Sul. Filho de Maria Frank e Pedro Adão Hummes, foi batizado Auri Afonso, e assumiu Cláudio ao ingressar na Ordem, em 56. Após estudos no Seminário Franciscano de Taquari, teve ordenação sacerdotal em Minas Gerais, em 58. Em 1963 foi enviado a Roma, onde formou-se doutor em Filosofia.
Hummes voltaria ao Vaticano anos depois para fazer parte do Colégio Cardinalício, sendo nomeado pelas mãos do Papa São João Paulo II. Como arcebispo de São Paulo, em duas oportunidades surgiu na lista de Cardeais com potencial para ser Papa.
A primeira foi em 2005, no Conclave que elegeria Bento XVI; quando declarou que o futuro Papa deveria preocupar-se com a discussão das novidades da ciência na área da bioética e da biogenética; a ampliação do diálogo inter-religioso e a pobreza. Por suas qualidades e influência, Bento XVI queria Hummes ao seu lado, nomeando o Prefeito da Congregação para o Clero.
No último Conclave, em 2013, quando viu o “hermano” arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio, escolhido, mostrou humildade. Sentado ao lado do amigo, quando este alcançou o número de votos necessários, sussurrou-lhe uma frase da filosofia de São Francisco de Assis: “Não se esqueça dos pobres”. Uma intervenção que inspirou o recém-eleito a adotar o nome, e a missão, de Francisco.
Foi professor de filosofia na Escola de Filosofia da Ordem Franciscana e na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Porto Alegre; Diretor da Faculdade de Filosofia de Viamão e Superior Provincial da Ordem. Um legado de amor, respeito e luta, mas com ternura. Mesmo acometido pelo câncer nos pulmões, ainda era um líder Católico, sendo lembrando em temas como solidariedade e preservação da Amazônia (em março havia renunciado à presidência da Conferência Eclesial da Amazônia).
Hummes era “muito família”
Ontem grande parte da família Hummes estava reunida em Salvador do Sul para rezar e lembrar. Uma de suas irmãs, Alaíde Hummes Specht, declarou como uma grande perda para todos, descrevendo o irmão como alguém “muito família”. “Qualquer coisa que tinha da família, ele estava presente”, recorda. E nestas visitas, Hummes repetia que Salvador do Sul era um paraíso, e que todos que ali viviam deveriam ter consciência deste privilégio.
Alaíde afirma que o legado de amor deixado à família e igualmente grandioso ao que deixa para o mundo; e agora seu irmão irá responder a todos aqueles que rogarem por ele. “Com certeza ele está na Santa Glória Eterna”. Como estava arcebispo emérito de São Paulo, seu corpo será velado na Catedral Metropolitana de São Paulo, onde também será sepultado nesta quarta-feira, dia 6.
Bispo Dom Rômulo destacou sua história
O bispo da Diocese de Montenegro, Dom Carlos Rômulo, falou a respeito do legado de Hummes. Ele apontou que, mesmo não tendo atuado diretamente em Montenegro, o cardeal tem grande relevância para a região. Um de seus maiores feitos está na terra natal, Salvador do Sul, onde liderou a busca por recursos para os sinos da Igreja Três Santos Mártires das Missões. Hoje o campanário é uma marca do município. “O irmão dele me falava hoje pela manhã que, cada vez que toca o sino, Dom Cláudio é lembrado. Assim como sua contribuição e grande apoio para a construção da Igreja”, destaca Dom Carlos.
O bisco recorda ainda que, mesmo já arcebispo emérito, Hummes não abandonou sua missão. Há poucos meses, contribui na organização da comissão para evangelização de toda a região da Amazônia. “A gente agradece a Deus por ter este irmão que deu um bom exemplo. Somos tão carentes de líderes em nossa sociedade. Agradecemos muito pelas pessoas que dedicam uma vida inteira em prol dos demais”, declarou.
Morte causa grande comoção
Diversas cidades e entidades publicaram luto oficial e notas de pesar pelo falecimento do cardeal, e a notícia foi veiculada nos maiores veículos do Brasil. Em nota oficial, o Município de Montenegro decretou luto oficial de três dias. O texto reconhece que Dom Cláudio contribuiu para a disseminação de valores humanos e em defesa da sociedade.
A Prefeitura de Salvador do Sul também emitiu nota de pesar e decretou luto oficial por três dias. A cidade recordou das raízes do religioso no município, o qual costumava visitar com regularidade. Em 1998 recebeu homenagem na Câmara de Vereadores, com título de Cidadão Salvadorense.
O site da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também publicou nota de pesar. No texto, lembra da atuação do cardeal pelas igrejas do Brasil e que, desde o início do seu ministério episcopal, contribuiu na missão de disseminar o Ecumenismo, dos leigos, da família e da cultura. A entidade destacou ainda sua entrega à causa da preservação ambiental e dos povos originários, tendo sido presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB. Também foi lembrado à frente da Pastoral Operária.
Manifestações pelo País
“Ele foi o sinal da Igreja junto a esta realidade dos trabalhadores que estavam passando por momentos muito difíceis. Ele sempre foi um grande mediador. Além de animar as pessoas, ele também mediou o período de grandes greves”, Dom Carlos Rômulo, Bispo da Diocese de Montenegro.
“Seu longo ministério foi dedicado, em particular, ao acompanhamento dos povos indígenas, do qual trouxe a voz ao Sínodo para a Região Pan-Amazônica em 2019”. Citação na notícia do Site Vatican News
“Convido todos a elevarem preces a Deus em agradecimento pela vida operosa do falecido Cardeal Hummes e de sufrágio em seu favor, para que Deus o acolha e lhe dê a vida eterna, como creu e esperou”. cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo
“Que aqueles que desfrutam da sua amizade próxima, seus familiares, a arquidiocese de São Paulo, as congregações romanas que ele presidiu e serviu e em especialmente os povos da Amazônia… possam experimentar a nossa fraternidade solidária e nosso abraço fraterno”. cardeal Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro.
“Sua atuação na Amazônia favoreceu maior articulação, escuta às dores e alegrias dos povos e o protagonismo das comunidades”, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
“Sempre às sete e trinta da manhã, lá estava ele, devagarinho. Muita fé, muita fé! Uma oração intermitente, uma veneração à Eucaristia e à plena comunhão”. Dom Ângelo Ademir Mezzari, bispo auxiliar de São Paulo