A vontade de se montar já se manifestava no maquiador José Augusto da Rosa, 23, desde criança. Mas Verônica, sua drag queen, nasceu, de fato, há cerca de dois anos. “A minha drag já existia em mim. Com 10 anos eu via minha mãe, minhas amigas e minhas primas, e ficava deslumbrado com a vestimenta delas, o cabelo e o salto alto”, recorda. Para ele, não havia necessidade de se tornar mulher, como uma pessoa transgênero. A vontade era apenas de poder usar aquelas roupas e acessórios. “Muitas vezes eu me perguntei como eu, menino, queria colocar um batom vermelho”.
Mesmo com esse sentimento contraditório, o menino José Augusto já usava batons e saltos da mãe, sempre escondido. Para ele, era uma grande brincadeira. “Naquela época eu nem tinha acesso a esse universo [drag queen]”.
Com o passar da idade e o acesso a programas e ao mundo drag, José foi se reconhecendo. Há cerca de dois anos, após assistir diversos vídeos e tutoriais de maquiagem na internet, ele começou a buscar canais de drags. “Eu via muita maquiagem artística ou mulher se maquiando socialmente. Então comecei a buscar maquiagens drags, de homens com trejeitos, e comecei a experimentar em mim”, lembra. “Foi como se eu me reconhecesse no espelho”. Ele define Verônica, sua drag, como um segundo ego. “É como se o José Augusto sentasse em um banquinho e viesse a Verônica, poderosa. Sensual”.
A família via com ressalvas o filho montado quando ia às baladas LGBTT. “Eu dizia que era uma brincadeira e que meus amigos (héteros) também iam assim”, conta. A mãe costureira ajudava o filho com as roupas e com os adereços, mesmo com os receios. “Eu me espelhava nela, por ser minha mãe e, principalmente, por ser mulher”. Ele assumiu a homossexualidade tempos depois. Houve um pouco de dificuldade no início, mas não demorou muito para que José Augusto e Verônica fossem aceitos na família. “Minha família viu que eu continuei sendo a mesma pessoa”.
Apesar da aceitação da família e dos amigos, José Augusto conta que sente o preconceito da sociedade. Segundo ele, além da homossexualidade, há julgamento por parte da sociedade enquanto está montado. “As pessoas olham torto. E a gente só quer ser respeitada sendo heterossexual, sendo gay, lésbica, bissexual, trans ou drag. Se não se identifica, tudo bem. Mas trate com respeito”, afirma. Para ele, fazer uma drag é muito mais do que uma performance artística qualquer. “A gente coloca os cílios postiços enormes, saltão e tudo mais, para ressaltar essa sensualidade que a mulher tem naturalmente”, diz. “Para mim, isso é uma grande homenagem às mulheres e, em especial às mulheres da minha vida”, revela, enquanto finaliza a maquiagem e adiciona adereços, dando vida à Verônica.
Quem é drag?
A ideia de que somente homens gays podem ser drags é equivocada. Esse é um trabalho artístico e pode ser desempenhado por qualquer pessoa, independente de gênero, orientação sexual, classe ou cor. “O termo drag queen, tem suas primeiras aparições nas anotações do dramaturgo inglês Willian Shakespeare. Segundo registros e histórias “das coxias de teatro”, Shakespeare utilizava a expressão Drag Queen para identificar, nas suas anotações, atores que interpretariam personagens femininos nos seus espetáculos”, explica o artista plástico e mestrando em Artes Visuais pela UFPel, Fabrízio Rodrigues.
As drags não precisam, necessariamente, estar em um palco para brilhar. Elas também podem se reunir para uma reunião ou um chá”, exemplifica. Além de ser uma homenagem às mulher, como cita Verônica, as drags são, também, uma manifestação política, segundo Fabrízio. “Qualquer expressão de arte tem o dever de indagar, questionar! Ser drag queen é se empoderar, tornar-se visto, um ser responsável por todos os seus atos, e mesmo assim, saber se posicionar, ter opinião própria”.
Mas afinal, quem pode ser drag queen? De acordo com Fabrízio, qualquer pessoa. “Homens cis (que se identificam com seu gênero de nascimento), mulheres cis, homens trans, mulheres trans, bissexuais, queers, assexuais e tantos outros podem ser uma drag queen ou drag king. O segredo é exagerar na montaria, passar uma boa cola na peruca e ser a rainha ou rei da noite!”
A doutoranda em Antropologia Social e pesquisadora da área de gênero, Gabriela Felten da Maia, afirma que a Drag, enquanto performance artística, pode ser usada para pensar as questões de gênero. “Podemos pensar isso a partir da seguinte questão: se gênero é natural porque nos empenhamos desde muito cedo em demarcar os lugares e posições que crianças reconhecidas com determinado gênero a partir da genitália devem ocupar?” questiona, com base nos estudos da filósofa estadunidense Judith Butler.
A pesquisadora reafirma, no entanto, que o fato de a pessoa se montar não significa, necessariamente, que ela seja homossexual. “Homossexuais são pessoas que têm interesse afetivo e sexual por pessoas do mesmo gênero e heterossexuais são pessoas que tem atração por pessoas do gênero oposto”, explica. Não se pode dizer, ainda, que drags queens são transgênero, já que estas são identidades que indicam a vontade de pertencer ao gênero oposto au seu. “Transgênero é um termo guarda-chuva para pensar as múltiplas identidades transmasculinas, transfemininas e travestilidades”.
Se, por um lado, a identidade de gênero da pessoa que carrega a drag não muda, o tratamento à personagem deve ser respeitado. Quando está montada, ela deve ser tratada no feminino, já que trata-se de uma caracterização que remete à mulher. Esse é o caso da cantora Pabllo Vittar, que gera dúvidas se o correto é “o” ou “a” Pabllo. A Drag maranhense é interpretada pelo artista Phabullo Rodrigues da Silva. A dica é: se estiver montada, é sempre “A”.
Drag é truque… e atitude!
A montagem da drag é pensada minuciosamente. Cabelo, maquiagem, saltão, roupas são apenas alguns dos detalhes que caracterizam a performance. “Você tem que colocar uma marca na drag”, afirma o maquiador José Augusto. Ela pode ser sensual, “afrontosa”, alegre, ou como a pessoa desejar.
José Augusto conta que sua drag é, normalmente, muito sensual. Mas ele optou por uma montagem mais divertida de Verônica para a matéria. “Por ser dia e por ser para a Revista Expressão, achei que combinaria algo mais colorido, mais lúdico”, revela. O batom rosa também não foi pensado à toa. “Eu já queria fazer uma maquiagem assim devido ao Outubro Rosa. Achei que seria uma bela oportunidade para lembrar as mulheres da prevenção ao câncer de mama”, afirma, ressaltando que a drag também pode transmitir essas mensagens e ajudar a empoderar ainda mais as mulheres.
Independente das características apresentadas pela drag, é fundamental que elas sejam muito ressaltadas em cada componente do look. “O que caracteriza o drag queen não é somente a representação normal de uma mulher do cotidiano, mas sim uma mulher extravagante, com maquiagem exagerada, uma mulher que usa cabelos extravagantes e coloridos, roupas ricas em babados, e muito brilho! Drag queen traz consigo seus referenciais históricos, de divas, tendências de moda e até mesmo de outras drag queens”, diz Fabrízio Rodrigues.
Para alcançar essa exuberência, é imprescindível ter a silhueta afeminada. Não se engane: esse efeito é alcançado com pequenos truques. Enchimentos para delinear os seios, próteses para fazer coxão e bundão e a barriga bem ajustada com cintas modeladoras. Os cabelos longos com perucas e os cílios postiços dão impacto ao olhar. Tudo é possível no universo drag. Mas isso tem um preço. A montagem pode levar horas. Somente a maquiagem, caprichada, demora pelo menos 40 minutos. As próteses e enchimentos precisam ficar bem ajustados ao corpo e firmes, para não haver risco de cair durante a performance ou a festa. Meias-calças, luvas, brincos, pulseiras e outros acessórios também compõem o look. “Demora de duas a três horas para ficar montada, no close”, conta Verônica, a drag de José Augusto.
Para segurar esse visual, é preciso ter muita atitude e estar convicto das características escolhidas para a sua drag. “Tem que fazer carão, tem que mostrar a que veio”, diz ela.