Oferta do tratamento precoce para Covid-19 ainda gera dúvidas em Montenegro

Remédios sem eficácia comprovada são oferecidos ao paciente que tiver interesse

Desde o início de março a Secretaria Municipal da Saúde coloca à disposição da comunidade, todos os dias das 8h às 22h, na Tenda Covid, um médico pronto para prescrever o chamado “tratamento precoce”, que contém medicamentos como hidroxicloroquina, cloroquina, azitromicina e ivermectina, por exemplo. Apesar de o serviço estar ao dispor da população, muitas dúvidas e problemas com o fluxo de atendimento ainda existem.

“Disseram que no momento eram sintomas leves, não precisava de outros medicamento, podia ser uma gripe normal”, diz um paciente que não deseja ter a sua identidade revelada. O montenegrino começou a sentir sintomas como pressão na cabeça e febre, e na quinta-feira, 11, foi consultar na Tenda Covid e fez o teste, que ainda aguarda resultado. Segundo ele, a médica lhe receitou remédios tradicionais para dor, porém, no dia seguinte os sintomas pioraram e ele consultou novamente. “Na sexta, 12, sentia moleza no corpo, e pressão pra respirar (não falta de ar), voltei a consultar e me receitaram ibuprofeno”, conta.

Na segunda-feira, 15, sua esposa foi à Secretaria da Saúde e fez o teste (ainda sem resultado), também sentindo sintomas da doença. Já na terça-feira, com a perda parcial do paladar e olfato o casal foi consultar novamente, e apesar do desejo pelo tratamento, somente a esposa recebeu os medicamentos, de uma médica diferente. “Comentei sobre os remédios de prevenção e a médica disse que não receita remédios, que tem uma lá que receita, mas ela não acredita nos resultados, pois não tem nada comprovado que são eficazes. Ela me disse pra aguentar os sintomas que é assim mesmo, não me receitou nada”, explica ele.

O montenegrino insistiu, e pediu à enfermeira pelo tratamento. “Ela disse que é assim, e perguntou se eu fui pra buscar remédio”, diz. Indignado, ele voltou para casa e está tomando chás e dividindo os remédios com a esposa. “Sem orientação (médica), somos nossos próprios médicos”, completa.

De acordo com a secretária da Saúde de Montenegro, Cristina Reinheimer, há sempre um médico que prescreve o tratamento precoce entre as 8h e às 22h, e essa é uma escolha do paciente. “O paciente chega e é feito o acolhimento na tenda pelo enfermeiro, que conversa, faz toda a triagem e pergunta qual tipo de tratamento que ele gostaria de ter, se ele quer ser atendido por um médico que prescreve o tratamento precoce ou se ele quer ser atendido pelo outro médico que prescreve o tratamento sintomatológico”, fala. Após a escolha de atendimento, o paciente é encaminhado ao médico adequado, e caso não seja, basta pedir por aquele que deseja. Além disso, Cristina explica que a prescrição do tratamento precoce não depende do teste rápido, pois isso será avaliado pelo médico.

Medicamentos que montenegrino recebeu
no primeiro dia de consulta na Tenda Covid-19. Foto: Arquivo Pessoal

Direito do médico
Apesar dessa disponibilidade, os médicos que não concordam com o tratamento precoce não são obrigados a receitar. “A prescrição é um ato médico e direito do médico, é uma prerrogativa médica”, explica Dagmar Koelln Kranz, médica na Secretaria da Saúde. “E pra mim eu não posso obrigar um colega a prescrever, mas o paciente tem o direito de querer”, completa.

Para a médica o tratamento precoce é eficaz e não resulta em mal súbitos do paciente, “apenas” dor de estômago. “Eles reduzem a carga viral, e automaticamente, se tem menos vírus que causa uma inflamação, a segunda fase inflamatória é menor”, explica a médica. A secretária de Saúde ressalta que é sempre importante consultar um médico, pois a automedicação é ineficaz e pode causar sérios danos.

Medicamentos não têm comprovação científica

Vale pontuar que os medicamentos ofertados no chamado tratamento precoce não são comprovados cientificamente que possam prevenir a doença ou evitar o agravamento do quadro do paciente. Atualmente, esse mix farmacológico não é reconhecido nem indicado por entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Associação Médica Brasileira (AMB), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

Nos últimos meses, vários estudos foram publicados a respeito do tema. Um dos mais importantes deles foi feito no Reino Unido e é conhecido como Recovery Trial. Em uma análise de mais de 4.500 pacientes hospitalizados, o uso de hidroxicloroquina e azitromicina não trouxe benefício algum. De acordo com um documento da Sociedade Brasileira de Infectologia, um dos efeitos adversos do uso são retinopatias, hipoglicemia grave e toxidade cardíaca. Outros efeitos colaterais possíveis são diarréia, náusea, mudanças de humor e feridas na pele.

A melhor maneira de evitar um caso grave da doença segue sendo não se infectar. Para isso, é necessário continuar seguindo os protocolos de prevenção, como manter o distanciamento social, utilizar máscara sempre, usar álcool gel e fazer a higienização das mãos.

Últimas Notícias

Destaques