Grupo de médicos da região defende tratamento precoce da Covid

Sem evidência cientifica que o comprove, método segue dependendo do profissional e do paciente

Um grupo de médicos de Montenegro e região se reuniu para trocar informações e propor um tratamento precoce da Covid-19. Em documento que vem sendo apresentado a secretarias municipais desde junho; e que circulou nas redes sociais neste final de semana, os profissionais de saúde sugerem e oficializam o uso de medicamentos como a hidroxicloroquina, a ivermectina e a azitromicina já num estágio inicial da doença.

“Ele é um tratamento barato e muito seguro, ao contrário do que muitos falam”, defende o oftalmologista Antonio Carlos Monaretto, um dos 35 profissionais de diferentes especialidades que assina a sugestão de protocolo. “Nessa dose e nesse tempo de uso (que estamos propondo) não tem risco nenhum. Salva vidas e diminui a gravidade da doença.”

Antonio Carlos Monaretto, oftalmologista. FOTO: ARQUIVO/JORNAL IBIÁ

Monaretto explica que, na prática, não se está propondo uma mudança no tratamento de pacientes Covid, visto que todo médico tem a liberdade de decidir, junto do paciente, como ele será tratado. Sendo assim, já poderia receitar medicamentos como a hidroxicloroquina para tratar quem o procurasse para atendimento e de forma precoce.

O que se conquistou com a união dos profissionais – que dizem ser mais de 70 envolvidos, apesar das 35 assinaturas – é que, em Montenegro, a demanda viabilizou que, dentro de suas possibilidades, a secretaria municipal de Saúde passe a disponibilizar os remédios que estão no rol de medicamentos do SUS aos pacientes de médicos que optarem por prescreverem o tratamento.

A divulgação do movimento nas redes sociais, explica o oftalmologista, busca dar a conhecer a sugestão para que os pacientes sintomáticos já busquem o atendimento precocemente. A proposta prevê a primeira etapa de medicação nos primeiros cinco dias do aparecimento dos sintomas característicos, como forte dor de cabeça, febre, mal estar, diarréia e perda de olfato e paladar de forma aguda. Não há tempo, com isso, de aguardar pelo teste do coronavírus.

“Mas o médico tem que olhar para o paciente, já que existem muitos quadros que podem simular a Covid e a gente não pode, nesse momento em que também pode faltar medicamentos, desperdiçar em quem não precisa”, salienta Monaretto, rechaçando a possibilidade de automedicação, sem receita médica. Segundo ele, o tratamento precoce poderia diminuir o tempo de sintomas e reduzir a necessidade de intubação dos pacientes.

Ainda não há evidências científicas de que o tratamento proposto funcione efetivamente
Não é só no Vale do Caí que o movimento vem ocorrendo. Aplicação precoce dos mesmos medicamentos é defendida em várias partes do País, mas ainda divide a classe médica. É que, efetivamente, ainda não há evidências científicas que comprovem a eficácia dos remédios em pacientes Covid. O documento local é embasado por estudos observacionais que se mostraram promissores, mas que ainda não bastam para comprovar o tratamento. Não são consenso.

“O paciente vai ter o tratamento prescrito conforme a opinião do médico que o avaliou no momento da consulta, mas é uma coisa baseada na opinião. Não existe nenhum tratamento que a gente tenha certeza que funcione”, explica o médico infectologista da secretaria de Saúde de Montenegro, Felipe Canello Pires. “Não se pode ter implantado protocolo de uso irrestrito porque a gente não dispõe de evidências suficientes para recomendar isso.”

Parte do grupo que defende o uso precoce da medicação, Antonio Carlos Monaretto reconhece a falta da evidência científica e o longo processo que é para chegar até ela. Mas avalia que a urgência da situação justifique um caminho mais curto. “Realmente, não se conseguiu terminar esses trabalhos todos que estão sendo feitos (das pesquisas), mas a gente tem que ir com trabalhos científicos que presumem uma bela efetividade desse tratamento precoce”, coloca.

Pires discorda. O infectologista do Município avalia que, nos pacientes Covid com baixa tendência a desenvolver complicações pela doença, aplicar os medicamentos precocemente seria negativo, dado os possíveis efeitos colaterais aos quais a pessoa estaria sendo exposta.

“Para tu usar uma medicação para tratamento que tu não sabe se funciona, só sendo situações extremas (de pacientes em estado grave), pois é preciso ter certeza do malefício para usar algo que não se sabe se tem benefício”, aponta o médico. “Se tu usar para alguém que tem uma doença leve e que vai, na grande maioria das vezes, evoluir com ela de forma branda, tu deveria usar uma medicação que tu tenha muita certeza da eficácia. Se não, o risco de tu trazer um efeito adverso é muito maior do que tu ter um benefício.”

É PRECISO AUTORIZAÇÃO ESCRITA
Monaretto afirma que acompanha pacientes que usam a hidroxicloroquina para outras doenças há anos e que nunca tiveram efeitos colaterais. Mas o próprio Ministério da Saúde criou um modelo de declaração para ser assinado por médico e paciente com coronavírus que optem por usar a medicação e o formato de tratamento, deixando claro que os efeitos existem.

No documento, as partes oficializam que, ao optar por usar as medicações, estão cientes de que não existe garantia de resultados e de que os remédios incluem efeitos colaterais como redução dos glóbulos brancos, disfunção do fígado, disfunção cardíaca e arritmias, e alterações visuais por danos na retina. Mais adiante, o mesmo texto cita que, em casos pouco frequentes, os medicamentos podem levar à disfunção de órgãos, à incapacidade temporária e até o óbito.

Atualmente, a recomendação mais convencional para o estágio prematuro do vírus é o isolamento social e o uso de remédios que respondam aos sintomas clínicos; embora outras formas de tratamento também estejam em teste. Em Montenegro, até a última sexta-feira, 84,2% dos pacientes confirmados com o novo coronavírus se recuperaram em casa, sem internação hospitalar.


Corrida às farmácias
Com relação ou não, medicamentos citados no documento já têm tido busca desenfreada nas farmácias. Em Montenegro, por exemplo, as redes São João, Sul Brasil e Preço Mais Popular afirmam em unanimidade que a ivermectina já está em falta nos estoques, pois foi a mais procurada na última semana. Isso, na visão dos farmacêuticos, se deve ao fato de que se comparado à azitromicina e hidroxicloroquina, o medicamento é o único que ainda é vendido sem receituário por enquanto, sendo assim mais fácil de adquirir.

A hidroxicloroquina também está em falta em todas as redes, mas isso desde que a pandemia começou a tomar maiores proporções, pois está sendo encaminhada apenas a hospitais para tratamento de doenças em que é comprovadamente eficaz.

As redes já estão buscando repor os medicamentos em falta, mas citam dificuldades. “A gente não conseguiu fazer a compra porque as distribuidoras não têm mais”, pontua a farmacêutica Ariane da Rosa Pedrollo, da Sul Brasil. Já o farmacêutico Mario Fragoso, da São João, explica que o pedido foi realizado. “O esperado é que a situação normalize durante a semana”, pontua.

A farmacêutica Gabriela Kniest, da Preço Mais Popular, atenta ao risco da automedicação que vem sendo percebido na cidade. “Um homem de uns 40 ou 50 anos, ou seja, novo e ainda sem sintomas, veio aqui pedir por ivermectina e me contou que já tinha tomado três doses. Imagina? As pessoas estão se automedicando em casa, sem orientação e mesmo sem ter sintomas. Isso só traz efeitos colaterais e ainda debilita o organismo”, alerta a farmacêutica. (IF)

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