Eu tinha decidido que o tema da coluna de hoje seria a inacreditável onda de violência em Montenegro. Tinha até escrito já, porque o Márcio fica uma arara quando tu manda o texto em cima do laço. Queria falar sobre violência porque, conversando com amigos no trabalho, em Porto Alegre, comparamos a situação da Capital, que é caótica, com a das cidades menores, que parecem estar seguindo para o mesmo caminho. Escrevi que não mais reconhecia uma cidade onde antes eu ia e vinha de onde queria a qualquer hora da madrugada e agora tem assaltantes fortemente armados em bancos de dia, tentativas de estupro em pleno Centro, moradores de rua se matando na praça, senhoras sendo espancadas por bandidos… é tanta coisa tão ruim que a gente se vê quase que numa desesperança total. Quase.
Felizmente, peguei o que tinha escrito, rasguei e joguei no lixo — claro que de forma virtual. E fiz isso depois que me juntei a um punhado de poetas na meia-noite de sexta-feira para sábado, debaixo de uma tenda, no meio da rua Castro Alves. Por 24 horas, como nos quatro anos passados, o sábado anterior ao aniversário do poeta Castro Alves (14 de março) é o motivo de uma celebração entre os moradores da rua, do bairro e quem mais quiser chegar para declamar, cantar, dançar, atuar, pintar, contar histórias ou só observar.
No momento da abertura e ao longo do dia seguinte, tive a oportunidade de me encantar com as histórias e a alegria da dona Shirlei e da dona Carmem (com M, mas não Marmem), antigas moradoras do bairro. Vi as criações em telas do Adriano, que consegue juntar os rabiscos de diferentes pessoas e transformá-los em uma bela experiência de percepção. Aplaudi a nova geração de teatro do Renascença, que, tendo um mestre como o Everton, vai muito longe com certeza. Cantei e pude ouvir cantar meu pai, meu irmão, o Luis Felipe, o Felipe e o Augusto, esse último um cara movido pela paixão à Arte e pelo sonho lindo de ver a cidade tomada por ela. E me emocionei com a força de vontade da Maria Isabél e seus irmãos, que são os pilares para que a Rua da Poesia aconteça todos os anos.
Entre tantos sentimentos bons que tive junto daquelas pessoas, esqueci da violência que vinha me atormentando há semanas e consegui resgatar, por 24 horas, a cidade que eu sempre conheci. Porque a Rua da Poesia, além de uma grande e importantíssima manifestação artística e cultural, é resgate. Resgate de um tempo em que as pessoas se reuniam, conversavam nas calçadas, nas praças, nos parques. De um tempo sem smartphones, em que a atenção era exclusiva para o que os outros tinham a dizer. De um tempo de mais poesia. Uma pena que nosso tempo não seja assim, mas fico feliz por existirem momentos como esse, que nos devolvem a esperança e nos fazem esquecer, mesmo que temporariamente, das barbáries desse nosso tempo. Por isso tudo, toquei o primeiro texto fora, e deixo aqui o meu abraço — de 11 segundos, como dona Carmem nos ensinou — em todos que se envolveram com o evento. Vocês me deram a certeza de que uma rua de poesia é infinitamente maior que uma cidade de violência.