Nos últimos tempos, muito se falou de mito. Mas, afinal de contas, o que é um mito? Os mitos dialogam com as utopias, só que enquanto estas são uma idealização do futuro, aqueles, buscam um passado primordial e os dois fazem parte da formação do que se chama identidade coletiva. As visões do passado e do futuro estão permanentemente em disputa, numa luta frenética para estabelecer o aqui e agora, ou a realidade presente que vivemos.
Caro leitor, imagine um retorno ao passado, mas não a qualquer passado, e, sim, aquele em que as mulheres eram analfabetas, domésticas e submissas. Desconsidere todas as mulheres que se negaram a aceitar esses estereótipos. Retorne para um lugar em que a justiça podia ser feita de forma privada, todavia, esqueça da tragédia shakespeariana com a luta familiar entre Capuletos e Montéquios. Ou ainda, vá para a época quando o amor e o sexo eram apenas entre homens e mulheres, mas descarte a homoafetividade nos gregos e romanos na Antiguidade Clássica. Volte 120 anos na História do Brasil, em que os negros eram escravos e não entravam nas universidades disputando com os brancos um lugar ao sol. Um mundo tranquilo, sem gravidade, Terra plana, geocêntrico, com apenas 6.000 anos, e que todas as espécies vegetais e animais sempre foram assim como são hoje. Esta é a mitologia que venceu as eleições no Brasil. Sim, o presidente representa um mito!
A filosofia grega, o Renascimento cultural e científico, o Iluminismo, o desenvolvimento tecnológico, o conhecimento institucionalizado nas universidades e centros de pesquisa são legados que estão sendo substituídos por um passado primordial, por uma mitologia que vem tomando conta da vida política nacional. Os historiadores, físicos e biólogos, com todas as suas argumentações baseadas em pesquisa, de nada valem mais.
Os mitos também cumprem o papel de legitimar a ordem estabelecida, vinculado aqueles que têm poder, aos deuses (ou a um deus), fundindo, assim, o poder mundano ao poder divino.
Entretanto, é importante dizer que toda essa mitologia é o pano de fundo para garantir os privilégios de uma elite quinhentista ávida para acabar com direitos trabalhistas e sociais em nome de um liberalismo extremado, que tende a aprofundar ainda mais a desigualdade social no país.
Por que o atual governo não fala em acabar com a pobreza? Porque não tem em seu horizonte uma utopia, e sim, a busca de um passado em que as elites masculinas e brancas governavam e usufruíam sozinhas das riquezas do Brasil.
Rodrigo Dias
Professor