Mefistófeles

Rodrigo Dias
Professor

Aos 14 anos, iniciei uma das jornadas mais importantes da minha vida: associei-me à Biblioteca Pública Municipal. A partir de então, passei a carregar três ou quatro livros para casa quinzenalmente. Sim, eu era um adolescente estranho. Entretanto, recentemente, dentre todas as obras lidas, uma retornou fortemente em minha lembrança: o “Fausto”, de Goethe. Naquela época, um grande amigo de infância desconfiou da minha capacidade interpretativa e perguntou, em tom desafiador, que história aquele livro contava. Jamais esqueci o relato feito que, por sorte, ficou guardado em minha memória, de tal modo que ainda me vejo extasiado ao contar que Fausto teria vendido a alma ao diabo (Mefistófeles) em troca da juventude – creio que os leitores também têm o direito de duvidar das interpretações de um jovem imberbe. Realmente, talvez a história não seja bem assim, mas para os objetivos desse texto, essa visão será mais do que suficiente, e se o leitor já teve o privilégio deste livro e entender que não se trata disso, peço desculpas de antemão (já faz algum tempo da leitura…)!
Então, com quase 50 anos, fico agora pensando: o que seria vender a alma ao diabo em troca da juventude? Namorar muito, correr dez quilômetros por dia, pesar 78 quilos, amanhecer bebendo e ficar preso em um corpo que só pensa em si?
Lembrei-me de dois outros livros que tratam da mesma questão, “Grande sertão: veredas”, de Guimarães Rosa, cujo cangaceiro Riobaldo vende a alma em troca de poder; e o “Doutor Fausto”, de Thomas Mann, em que o personagem Adrian Leverkühn faz o mesmo, só que em troca da produção de uma grande obra artística e intelectual. Em análise, percebi que estes livros apontam para três desejos bastante reveladores da condição humana, não como problemas em si, mas pela forma como se os alcançam: a juventude, o poder e o conhecimento.
Não lembro mais do desenrolar de Goethe, contudo, nos outros dois livros, fica claro que vender a alma para o diabo apresenta um significado bem específico. Vendendo a alma, recebe-se algo que, por sua vez, tem um preço alto. Nas duas obras, implicou em deixar para trás o mundo cotidiano, aquele cercado por pessoas queridas. O mundo das relações amorosas, que nos é tão caro, para ingressar em outro, este, de grandes objetivos, conquistas e abandonos. Sim, Riobaldo não pode amar Diadorim, e Leverkühn perdeu seus amores. Uma conta alta para grandes feitos!
O nazismo alemão foi exatamente assim, perdeu-se o amor em troca de uma obra suprema: a grande Alemanha! Os fins que justificam os meios, inimigos apontados e armas em punho, eis o preço!
Sinto que o povo brasileiro vendeu a alma ao diabo. Armas, machismo, homofobia, racismo e apologia à tortura e torturadores são as provas do desamor; da alma vendida, da alma comprada.

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