
Professor
O tempo sempre foi uma preocupação relevante e tentar controlá-lo, medi-lo e até burlá-lo faz parte da chamada condição humana. O teólogo medieval Santo Agostinho declarava: “se ninguém me pergunta, eu sei; mas, se me perguntam e quero explicar, não sei mais nada”. Mais tarde, Einstein explicaria a relatividade do tempo e do espaço. Caro leitor, diferente das crônicas que venho escrevendo, esta trata de um evento um tanto curioso que ocorreu comigo há seis anos. É uma história que coloca em xeque a minha própria noção de tempo.
No ano de 1981, quando tinha dez anos, ocorreu o segundo Clarão, um encontro de família que reunia os cerca de 500 descendentes da minha bisavó Clara e do meu bisav, João. A junção de seus nomes batizava a festa. Lembro-me como se fosse hoje: partindo de Novo Hamburgo, onde morávamos, sentado no banco de trás do Opala verde de meu pai, olhando pelo vidro os morros e campos que levavam a Costa da Serra, em Montenegro, local onde seria a confraternização. Assim, depois de rodarmos e rodarmos – quando se é criança os caminhos parecem ser sempre muito mais longos do que na realidade são – passamos por uma venda, entramos numa porteira ao lado de uma igreja e, naquele exato momento, tive um déjà vu. Aquele lugar deu-me a nítida impressão de que eu já havia estado ali.
Muitos anos se passaram e, depois de ter terminado o mestrado e casado, mudei-me de Porto Alegre para Montenegro, onde tive dois filhos. Terminei o doutorado em História e comecei a dar aulas na rede municipal de ensino.
Contudo, como algumas coisas que também chegam ao seu fim, veio a separação. Momento turvo de uma história de vida relativamente pacata. Dias obscuros pairaram sobre mim. Foi quando decidi dar aulas numa zona rural da cidade, na escola Pedro João Müller, na localidade de Costa da Serra. Eu e meus guris fomos criar galinhas e morar na beira de uma sanga. Lá fazíamos muitas caminhadas e, numa delas, entramos na porteira ao lado da igreja. Sim, exatamente no mesmo lugar em que eu tive o meu primeiro déjà vu!
Quando entrei, meus filhos sumiram correndo. Olhando para os lados, vi que nada havia mudado: o campo de futebol, o salão de festas, as árvores. Num piscar de olhos, passei a ver meus primos ainda crianças, correndo e brincando nos campos; minhas tias Cora, Nanci e Joana na volta das barracas rindo e dançando. Meus tios Lídio, Ariosto e Dico contando histórias fabulosas. E, sentados debaixo de uma enorme figueira, estavam Clara e João, meu avô Hugo e meu pai, com um menino ao colo. O frenesi das pessoas em festa ainda estava ali.
Meus filhos voltaram, abraçaram e beijaram-me, giramos num torvelinho de esperança. Lá, bem longe, no horizonte, estava o Instituto Federal Sul-rio-grandense e ela, Gabriela. Passado, presente e futuro entrelaçaram-se naquele instante. Assim como Santo Agostinho, não sei dizer o que é o tempo. Mas, se ele existe, é memória. E, como memória, tem uma grande capacidade de transformação!