Quando criança, meu irmão costumava me levar ao baile infantil de Carnaval. Ele tinha dez anos a mais que eu, portanto, já era um adolescente. Assim, aproveitava para usufruir daquele momento mesmo fora da idade.
As festas que originaram o Carnaval surgiram na Antiguidade, entre os camponeses, como celebração para as colheitas e, também, para a fertilidade. Na Grécia Antiga, ocorreram em homenagem ao deus Dionísio, como transgressão social, dando origem ao teatro e provavelmente ao Carnaval, com muito vinho e relações sexuais abertas (por sorte, naquele tempo, ainda não existia nenhuma ministra da Mulher que defendesse a abstinência sexual, ela enlouqueceria!). Durante a Idade Média, estas festas populares seguiram e mantiveram o seu caráter pagão, mas sempre como festa de rua e momento de inversão de valores. O sagrado e o profano revelavam as contradições entre o Carnaval e a Quaresma. No Brasil, foi trazido pelos portugueses e, nos salões, foi elitizado. Entretanto, ao se misturar com o samba negro que surgira a partir dos jongos entoados durante o trabalho pelos escravos, ocupou as ruas e tornou-se a principal festa em muitos estados brasileiros.
O Carnaval, como festa profana, marca os dias em que o plebeu vira príncipe, o homem vira mulher, o pobre vira rico, que o corpo vestido torna-se nu e o trabalhador transforma-se em folião. Mas, também, que os negros tomam as ruas e se tornam protagonistas (e por mais que a lógica mercantil esteja dominando o Carnaval, é necessário que as organizações populares e, principalmente o movimento negro, resgatem suas origens populares). A inversão de tantos valores tradicionais parece incomodar governos conservadores, e que temem tanta alegria! Por certo, são ideologias que preferem o quotidiano de desigualdade social e histórica a estes poucos dias de folia. Qual será o escândalo do Carnaval divulgado pelo presidente esse ano? Que particularidade será generalizada dessa vez?
Por mais que o Carnaval tenha resistido ao longo dos anos como festa popular, ainda enfrenta muitos preconceitos. Muitos prefeitos, por exemplo, preferem investir o dinheiro público destinado à cultura em outras festividades, mais brancas, mais elitizadas.
Confesso que ficava um tanto perdido no meio de todo aquele agito dos bailes do Carnaval infantil, crianças correndo e girando na volta do salão, jogando e juntando no chão serpentina e confete, ao som das marchinhas tradicionais que se repetiam ao longo dos anos. Hoje entendo perfeitamente o que ocorria. Na verdade, aquelas festas não eram totalmente infantis. Também reuniam adolescentes, como meu irmão, e eu, com meus sete anos, de repente, me via sozinho entre muitas meninas de 17, pois meu irmão, lá pelas tantas, desaparecia. Ficava eu, no maior dos espíritos carnavalescos, invertido, criança envolta por garotas de dezesseis anos. Elas estavam à espera de meu irmão? No fim, sempre uma delas acabava me levando para casa. Meu irmão era bonitão!