“A montanha mágica” é um livro de Thomas Mann, publicado pela primeira vez em 1924, e conta a história de um jovem engenheiro que, ao visitar o primo num sanatório para tuberculosos em Davos, na Suíça, acaba ficando por lá. Nessa montanha mágica, os pacientes de origem burguesa vivem num mundo peculiar de vinhos e charutos caros, banquetes e muito conforto. O tempo na montanha não passa como na planície, tudo parece ser mais lento, num ambiente bucólico coberto de neve. Um lugar em que os hóspedes instalados ficam por meses, com pouca vontade de serem curados, como deduz ironicamente o personagem Settembrini.
Curiosamente, os defensores do atual status quo internacional e também idealizadores de políticas que são as principais responsáveis pela pobreza mundial, seguem subindo, todos os anos, nesse mesmo local para o Fórum Econômico Mundial.
Ano passado, o jornal Estadão publicou uma reportagem no dia 22 de janeiro, informando que cinco bilionários brasileiros concentram a mesma riqueza que a metade mais pobre do país. Corroborando com isso, o relatório Oxfam Brasil, também de 2018, indica que nós somos o nono país mais desigual do planeta. Ou seja, temos, aqui, uma minúscula parcela da sociedade que vive numa verdadeira montanha mágica!
A desigualdade no Brasil foi construída ao longo de nossa história, fruto do tipo de colonização exploratória que sofremos – extração de riquezas em benefício do desenvolvimento dos países europeus – com a concentração de imensas propriedades territoriais nas mãos de poucos e, é claro, o trabalho escravo.
A intervenção do Estado, em alguns momentos de nossa história, alterou a base econômica do país. A estrutura agroexportadora baseada na grande propriedade foi parcialmente deslocada com políticas voltadas para a industrialização, por exemplo, com a construção de indústrias de base nos anos 30 e 40, favorecendo sobremaneira o desenvolvimento capitalista no Brasil. Todavia, mesmo com a geração de mercado interno que favoreceu a expansão de cidades e salários, o Brasil continuou longe de reduzir a desigualdade social.
Outra causa que, sem sombra de dúvida, impediu amplas camadas da sociedade de ascender socialmente foi o difícil acesso à educação e, particularmente, a de qualidade. Desta forma, quando o atual governo corta verbas desse setor, sinaliza no sentido de que somente os habitantes da montanha mágica poderão chegar à universidade.
Ao afirmar a necessidade de economizar um trilhão em dez anos para que o Estado brasileiro não se inviabilize, não se pensa, para suprir esta necessidade, em cobrar impostos sobre o lucro e o mercado financeiro, ou sobre lanchas, iates e helicópteros – que no Brasil não pagam IPVA -, tampouco sobre as grandes fortunas. Para fazer tal economia, logo os habitantes da montanha mágica apontam para a planície, dizendo que é necessária uma reforma na previdência (muitas vezes até comparam a nossa previdência com a dos países ricos, mas esquecem de fazer o mesmo com os índices de concentração de renda).
A desigualdade não deve ser naturalizada, e o fato de uma ínfima parcela da sociedade estar numa posição confortável – e não falo aqui da classe média! -, não significa mérito, mas privilégio, pois o ônus do desenvolvimento do país parece pesar somente sobre os mais pobres.