A festa mundial da morte

Rodrigo Dias
Professor

Freud escreveu, em 1930, que os homens não são criaturas dóceis e desejosas de amor e, sim, portadoras de fortes desejos de agressão. Quem, olhando para a história e para o presente, duvidaria disso?

O arqueólogo Leakey, em 1968, aponta que, na pré-história, enquanto éramos coletores-caçadores, tínhamos um espírito bem mais pacífico e tranquilo; nas savanas, as mulheres caminhavam com suas sacolas atrás de vegetais e os homens deslocavam-se com suas lanças em busca de proteína: a grande preocupação era levar o alimento de volta para o abrigo e compartilhar com o resto do bando. Com o advento da agricultura, tudo mudou: tornamo-nos diferentes, apegamo-nos à terra para cultivá-la e passamos a rosnar e a babar de ódio quando visitantes indesejados aproximavam-se. Com o desenvolvimento das técnicas de fundição de metais, criamos armas cada vez mais mortíferas para proteger o território e conquistar outros. Rousseau (1712-1778), que não era um comunista, escreveu que muitas guerras, crimes e assassinatos teriam sido evitados se tivéssemos levado em conta a máxima de que “os frutos são de todos e a terra é de ninguém”, todavia, não é de hoje que os filósofos são vistos com desdém.

No entanto, a banalização da violência vai muito além do ato de matar. Durante a Idade Média e Moderna, as pessoas enfrentavam grandes distâncias e aglomeravam-se para assistir a cenas de tortura que se prolongavam por horas, promovidas pelo Tribunal do Santo Ofício, a Inquisição. Sim, em nome de Deus, as pessoas eram seviciadas macabramente. O historiador Robert Darnton mostra que, na Revolução Francesa, não era muito diferente: cabeças eram cortadas, cravadas em lanças e postas na frente do rosto dos populares com o pedido de “beije papai, beije papai”.

Na Segunda Guerra Mundial, com o nazismo, muitas pessoas iam para as estações ferroviárias cuspir e jogar pedras naqueles que embarcavam para os campos de extermínio para serem mortos em câmaras de gás e depois queimados em fornos. Na época da Ditadura Militar, no Brasil, mataram e torturaram em nome de uma causa política. Corpos foram fustigados sadicamente com a conivência do Estado e até com sua participação. Dentre tantas atrocidades, estupraram mulheres grávidas e dispararam descargas elétricas com magnetos conectados nos genitais das vítimas.

Causa-me muito espanto e preocupação quando políticos elogiam torturadores e campanhas eleitorais têm como símbolo “arminhas” feitas com os dedos. Porém, 47 milhões (45%) de brasileiros – e isso não é pouco – não votaram neste discurso de ódio. Ainda há esperança?

Termino aqui com a frase de Thomas Mann, em seu livro “A montanha mágica”, acerca da Primeira Guerra Mundial: “Será que também desta festa mundial da morte, e também da perniciosa febre que inflama o céu da noite chuvosa, ainda surgirá o amor?”.

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