“Eu acredito que o celibato tem um grande valor”

Uma polêmica recente, envolvendo o padre licenciado Iuri Hummes Specht, que estava à frente da Paróquia Santa Catarina, de Feliz, trouxe à tona o debate sobre o celibato dos sacerdotes. Iuri solicitou suspensão do exercício do ministério sacerdotal após descobrir que será pai. O bispo diocesano Dom Carlos Romulo Gonçalves e Silva conversou com o Jornal Ibiá e explicou o que há por trás da tradição. Confira:

Jornal Ibiá: Por que os padres não podem casar?
Dom Carlos: O primeiro fundamento é Jesus Cristo, que viveu como celibatário. Pela ligação do padre com a figura de Jesus é que se vai estruturando, ao longo dos séculos, o celibato como identificação a Cristo também na vivência das relações. Desde os tempos apostólicos vemos muitos que abraçaram o celibato por amor ao Reino de Deus, mesmo quando ainda não existia uma orientação explícita por parte das comunidades nascentes. Vemos ainda no mundo antigo o surgimento dos monges do deserto e depois monastérios que tinham, em sua mística, a vivência e a defesa do celibato, tanto para homens como mulheres. O que está por trás é sempre o desejo de configuração total a Cristo. Portanto, é uma vocação que convivia ao lado de opções de padres casados.

Como a regra foi estruturada?
Ao longo da história, através de vários Concílios e Sínodos, a Igreja, de Rito Latino, Católica Ocidental, optou por escolher seus ministros ordenados entre aqueles que têm a vocação celibatária, como podemos ver o que diz no catecismo da Igreja Católica, no nº 1579: “Todos os ministros ordenados da Igreja latina, à exceção dos diáconos permanentes, são normalmente escolhidos entre homens crentes que vivem celibatários e têm vontade de guardar o celibato por amor do Reino dos céus (Mt 19, 12). Chamados a consagrarem-se totalmente ao Senhor e às suas coisas dão-se por inteiro a Deus e aos homens. O celibato é um sinal desta vida nova, para cujo serviço o ministro da Igreja é consagrado: aceito de coração alegre, anuncia de modo radioso o reino de Deus”. Existe um tempo longo de formação humana, intelectual, espiritual e pastoral em que o jovem vocacionado faz livremente este discernimento. Ao longo da caminhada, muitos percebem que não é este o caminho pessoal e optam por abraçar a vocação matrimonial. Vemos muitos exemplos de líderes cristãos em nossas paróquias, pastorais e movimentos que fizeram este caminho. Por isso, o seminarista fará uma caminhada de preparação de um longo tempo e precisará ter pelo menos 25 anos para ser ordenado diácono e depois presbítero. Portanto, é uma escolha amadurecida no tempo e acompanhada na direção espiritual.

É sempre bom lembrar que, na mesma Igreja Católica, vigora também a prática de ordenação de homens casados, nas Igrejas Orientais, como vemos também no Catecismo da Igreja Católica, no nº 1580: “Nas Igrejas orientais vigora, desde há séculos, uma disciplina diferente: enquanto os bispos são escolhidos unicamente entre os celibatários, homens casados podem ser ordenados diáconos e presbíteros. Esta prática é, desde há muito tempo, considerada legítima: estes sacerdotes exercem um ministério frutuoso nas suas comunidades. Mas, por outro lado, o celibato dos sacerdotes é tido em muita honra nas Igrejas orientais e são numerosos aqueles que livremente optam por ele, por amor do Reino de Deus. Tanto no Oriente como no Ocidente, aquele que recebeu o sacramento da Ordem já não pode casar-se”. Como vemos, nas Igrejas de Ritos Orientais, convivem os dois modelos, homens casados que são ordenados ao lado de outros que são celibatários. Importante destacar que os ordenados casados devem primeiro casar, constituir a família, e depois, então, serão ordenados. Como acontece conosco, com os diáconos permanentes, que devem ter pelo menos 35 anos e estarem casados há mais de 10 anos e terem o consentimento da esposa.

Na sua opinião, é possível que, futuramente, o Vaticano mude de posicionamento em relação ao celibato dos sacerdotes?
Sobre o celibato dos sacerdotes não, porque não depende do Vaticano. É uma escolha pessoal de cada sacerdote. O que poderia acontecer seria a Igreja também escolher sacerdotes entre homens casados. Como escolhe os diáconos permanentes; como temos os exemplos de padres casados nos ritos orientais e situações particulares, mesmo no Ocidente; como é o caso dos ministros que vieram do Anglicanismo, que formam Prelazia Pessoal e são ordenados padres e continuam com suas famílias.

Qual seu posicionamento em relação ao assunto?
Acredito que o celibato tem um grande valor, e as fragilidades que percebemos não anulam esse valor que ele tem. Minha posição parte do testemunho da multidão dos padres do passado e do presente que vivem com alegria sua vocação sacerdotal na vida celibatária, por amor ao reino de Deus, configurados ao Cristo e a serviço do povo de Deus. Este testemunho é eloquente e é também uma profecia para o mundo em todos os tempos e também nos nossos dias. Estes sacerdotes são verdadeiros pais espirituais que dedicam totalmente suas vidas a serviço das comunidades cristãs. São homens fecundos porque descobriram que sua vocação está a serviço dos demais, de ser sacramento do Cristo Servo e Sacerdote que entrega sua vida por nós. Portanto, estes sacerdotes que existem desde o início da Igreja fazem parte da sua constituição de amor total.

Entendo que podem existir outras formas de ministérios e mesmo de viver o sacerdócio, como já existe em situações particulares na própria Igreja. Muito se fala nos Viri Probati, que seriam homens casados, maduros na fé e na vocação matrimonial, que poderiam vir a ser ordenados. É uma discussão que sempre aparece. Esta experiência já vivemos com os Diáconos Permanentes, desde o Concílio Vaticano II, e que em algumas dioceses existem em grande número. Mesmo nós aqui, na Diocese de Montenegro, temos 4 Diáconos Permanentes. Acrescento a presença de inúmeros ministros e ministras que exercem sua missão nas Celebrações da Palavra, na distribuição da Comunhão nas missas e nas casas dos enfermos e idosos, nas celebrações de exéquias e em muitos lugares, administrando batismos e assistindo casamentos, como testemunhas qualificadas. Tudo isso nos mostra que existe uma riqueza de ministérios que enriquecem a missão da Igreja. Em cada época o Espírito Santo suscita o que é necessário para a missão da Igreja.

Há algum mandamento na Bíblia que obrigue líderes religiosos a serem solteiros?
Não, não existe um mandamento, nem um destino, ou obrigação. A vocação é um chamado de Deus de configuração ao Cristo. O Cristo é a consumação de todos os mandamentos. Ele é modelo para os sacerdotes, para os consagrados e consagradas, para os leigos e leigas e também para a vida matrimonial. Nele se encontra o sentido profundo para todo o tipo de vida cristã. Portanto, segui-Lo significa radicalizar qualquer opção. Os líderes religiosos na Igreja Católica são conforme a vocação que abraçam: alguns celibatários, como os sacerdotes, mas a maioria são casados ou solteiros, como são os e as catequistas, ministros(as), líderes de Pastorais e Movimentos e muitos leigos e leigas que atuam na sociedade de acordo com sua fé. Portanto, o mandamento é o amor. A entrega por este amor a Deus.

No caso do padre Iuri Hummes Specht, após afastar-se do sacerdócio, é possível que ele retorne?
O padre é padre para sempre, não se anula uma ordenação. A licença, ou suspensão do exercício do Ministério Sacerdotal e de tudo o que diz respeito ao Sacramento da Ordem é uma licença por tempo indeterminado, que é concedida ao padre, ou diácono, para que ele possa se organizar na sua vida pessoal e cristã em vista de abraçar outra forma viver sua vocação ou mesmo, depois de uma avaliação, voltar ao exercício do ministério. Tudo isto é feito dentro da caridade cristã, para o bem de um irmão do sacerdócio e para o bem da comunidade cristã. É um tempo de amadurecimento, que nos mantém unidos pelos laços fundamentais da fé, que vem do Batismo. Após este período, sempre em diálogo, se farão dois encaminhamentos: o retorno ao exercício do Ministério, depois de uma criteriosa avaliação, ou se faz o encaminhamento para a laicização, que é feito pela congregação do clero, em Roma, onde o padre recebe oficialmente o direito de exercer plenamente a condição de leigo, e contrair matrimônio normalmente na Igreja.

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