Quase doze meses se passaram desde que a maior enchente da história do Rio Grande do Sul submergiu 478 municípios, deixou 183 mortos e atingiu 2,4 milhões de pessoas. Os números da Defesa Civil são conhecidos, mas a pergunta que ainda ecoa no Vale do Caí — e que as autoridades insistem em ignorar — é: o que foi feito, de fato, para evitar uma nova tragédia? A resposta, dura como a correnteza que arrastou casas e vidas em maio de 2024, é a mesma: nada. Enquanto o Senado liberava R$ 118 milhões para gestão de desastres em março, destinados a órgãos como o Ministério da Integração e a Defensoria Pública, cidades como Montenegro seguem sem um único projeto concreto de prevenção. Reuniões se multiplicam em gabinetes, mas no chão da realidade, onde famílias reconstroem suas vidas, só há promessas vazias e orçamentos engavetados.
O “Plano Rio Grande” e o PAC são citados como soluções, mas a história recente desmente o discurso oficial. Em Eldorado do Sul, por exemplo, projetos de contenção do Rio Jacuí, autorizados ainda em 2012, nunca saíram do papel. O rio Caí, que corta Montenegro e outras cidades do Vale, não passa por um desassoreamento há duas décadas. Não há canal extravasor, não há estudos atualizados sobre medidas de contenção, não há orçamento para obras integradas. O dado alarmante do TCU, em que 52% das obras públicas no país estão paralisadas, é um retrato do descaso que estamos vivenciando.O relatório aponta que existem 11.941 obras paradas no território nacional. Enquanto isso, as famílias que perderam tudo em 2024 reconstroem suas casas sob a sombra de um novo inverno, que os principais serviços meteorológicos já preveem como chuvoso.
O silêncio dos que prometeram ajuda no calor da tragédia é ensurdecedor. Deputados que se levantaram em discursos emocionados, agora se calam. O governo federal foca na reconstrução — necessária, mas incapaz de evitar que tudo se repita. Em Montenegro, o plano de contingência municipal, ainda que bem-intencionado e executado com eficiência, não passa de um paliativo diante da omissão estadual e federal.
“De que adiantam casas novas se as águas voltarão?”, perguntam os moradores, enquanto cobram respostas de seus representantes.
A verdade é que, sem pressão popular, nada muda. Aos montenegrinos e a todos os gaúchos afetados, resta exigir transparência e ação. Aos governos, um alerta: a próxima enchente não será apenas mais um desastre natural, mas o resultado de uma negligência anunciada. A verdade pode até doer, mas só ela é capaz de romper o ciclo da inércia e trazer aos olhos as soluções necessárias para minimizar os efeitos das cheias dos nossos rios.