Sobre apóstolos literários

Na Bíblia há Literatura de sobra. Todo mundo sabe. Seus livros tem ação, aventura, suspense, sagas inteiras. Uma reconstituição poética de um povo, de um tempo. Há os anacronismos, regras e juízos mais válidos para a época, e que hoje soam preconceituosos. Levá-los ao pé da letra pode ser um erro – e há quem os leve. Mas no geral, é uma baita leitura.Folheio uma de 1896.
A sabedoria popular, lições e ensinamentos de séculos de uma cultura, de uma geografia, de um povo moldado em terras ásperas e tempos difíceis,emergem aqui e ali em frases e pensamentos. E os apóstolos são frasistas muito bons.
Ditos de Paulo inspiram artistas até hoje. Em Coríntios lê-se: “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.”
A banda Legião Urbana bebe desta fonte na música Monte Castelo: “Ainda que eu falasse a língua dos homens e falasse a língua dos anjos, sem amor, eu nada seria”
Em Mateus: “Não deem o que é sagrado aos cães, nem atirem suas pérolas aos porcos; caso contrário, estes as pisarão e, aqueles, voltando-se contra vocês, os despedaçarão.”
O músico José Miguel Wisnik usou essa ideia como inspiração na música Pérolas aos poucos, fazendo um trocadilho e uma excelente poesia em sequência. “Eu jogo pérolas aos poucos / ao mar / Eu quero ver as ondas se quebrar / Eu jogo pérolas pro céu /Pra quem pra você pra ninguém / Que vão cair na lama de onde vêm”.
No versículo 7 de Timóteo, Paulo faz a frase: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé”. Uma frase utilizada em política em todo o leque, da esquerda à direita, todos crentes que a frase do apóstolo seja um retrato de suas vidas. O que seria temerário concordar.
Sem contar as profecias apocalípticas de Paulo em Tessalonicenses: “Que não vos movais facilmente do vosso entendimento, nem vos perturbeis, quer por espírito, quer por palavra, quer por epístola, como de nós, como se o dia de Cristo estivesse já perto.
Ninguém de maneira alguma vos engane; porque não será assim sem que antes venha a apostasia, e se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição”.
Ou seja, segundo Paulo, o armagedon é inevitável. Para não dizer imprescindível, para o advento de uma “segunda vinda do Messias”. Não pouca Literatura, pintura e cinema se fizeram motivados pela profícua capacidade artística de Paulo. Paulo era um gênio do convencimento. Com uma argumentação instigante poética ao mesmo tempo, soube alicerçar com palavras as trilhas sobre as quais milhões de passos convergiram para um mesmo destino, mesmo tendo sido antes um perseguidor de cristãos.
Como já disse, nem de tudo se dá para tirar arte ou ensinamento. O fundamentalismo daqueles dias não recomenda. Como Paulo em Coríntios, 14, 34-35: “Permaneçam as mulheres em silêncio nas igrejas, pois não lhes é permitido falar; antes permaneçam em submissão, como diz a lei. Se quiserem aprender alguma coisa, que perguntem a seus maridos em casa”.
A ministra até tem estômago para esta dimensão inadmissível do passado.Não que não possa ser Literatura. Pode. Mas deixou de ser um passo a ser seguido pela humanidade.

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