Só porque o mundo não tem justificado nossa alma nos últimos tempos, não significa que não possamos fazer dela um pórtico para um altar onde se cultueas melhores intenções humanas. O mundo nunca foi justo e nem por isso todos se deixaram levar pela vazão doida das suas agruras. Alguém sempre escapa às regras dos linchamentos. Alguém sempre é delicado e compreensivo.
Só porque as incertezas do futuro exigem que fechemos nossos corações entre pedras, não quer dizer que edificaremos muros sombrios. Se a doçura sucumbiu às dúvidas, duvidar ainda é uma forma doce de enfrentar a ignorância. Seremos os fora da lei, se a lei não permitir a reconstrução dos caminhos. E seremos seus guardiões quando a lei for gentileza. “Não seguirás a multidão para fazeres o mal; nem te deixarás arrastar pelo sentimento do maior número para te desviares da verdade” (Êxodo, 23:2). Só porque a multidão não preserva a presunção de inocência, não vamos negar a calma da justiça às vítimas de crueldades.
Só porque temos medo da verdade; só porque nosso fracasso nos torna ressentidos e planta o horror em nossa face, nãovamos deixar de ver os únicos olhos que nos sorriem, nem vamos deixar de sentir a única mão que nos acaricia. Não vamos ficar cegos aos passos dos únicos pés que nos seguem. Em uma única criança que nos estende os braços em busca de paz, segurança e afeto, estão todos os significados e sentidos da vida. Uma única criança de braços abertos contém toda a delicadeza necessária e precisa.
Só porque muitas vezes fomos condenáveis, vis, hipócritas, desonestos, malvados e baixos, não significa que pelo resto da vida vamos justificar com nosso sorriso, comnosso voto, com nosso apoio o condenável, o vil, a hipocrisia, a desonestidade, a malvadeza e baixeza de espírito. A vida é um leva e traz. Se um dia o que tínhamos a oferecer ao mundo era o que havia de mais escroto em nós, nunca é tarde para refundar os alicerces de nossa alma e oferecer civilidade, tolerância e uma coexistência baseada no debate franco.
Só porque não percebemos a História repisar nossos erros e gritar para toda a humanidade ouvir: não façam isto!, e nós fazemos, não quer dizer que não haja em nós os últimos resquícios de grandeza de espírito, aquela grandeza que admite que somos falíveis e que rever a si mesmo é também rever as respostas que damos ao mundo.
Só porque contribuímos todos os dias para que o planeta seja menos habitável para as gerações futuras; só porque somos orgulhosos da glória do ouro; só porque somos soberbos na ganância, não quer dizer que somos surdos aos antepassados, pois os Provérbios ensinam há milênios que “A soberba precede à ruína; e o orgulho, à queda”.
Cada um precisa enfrentar suas trevas e as turbulências dos desastres que ajudou a erigir. Só porque nos desesperamos pelo nada que somos, pelo naco ínfimo da eternidade que nos cabe, não quer dizer que não possamos fazer deste grão de areia parte da estrada que todos precisamos trilhar.Subverter o ódio é tarefa de todo ser humano;solapar seus fundamentos até que ele seja engolido por sua própria areia movediça.
Por fim, só porque o mundo nos exige todos os dias que esqueçamos a ternura, não quer dizer que vamos. Sempre há uma flor nascendo sobre a terra arrasada.