Não é pelos vinte centavos

Foi em 2013 que gigantescas manifestações ocorreram no Brasil por conta de aumento de vinte centavos numa passagem, mas que fez extravasar todo um sentimento acumulado. Brasília foi “invadida” por gente de todo o Brasil e não é de todo errado imaginar que aquelas manifestações sementaram o que viria a acontecer num futuro próximo.

Depois delas, uma presidenta caiu, as leis trabalhistas foram flexibilizadas e agora a própria previdência social está na berlinda e a sociedade pouco consegue se mobilizar. Talvez seja o que ela queira; talvez ela mesma não compreenda plenamente as consequências do que vem acontecendo. Seja o que for, o Brasil se lembrará por décadas das consequências dos vinte centavos.

Agora, por exemplo, é possível que os cursos de filosofia e de sociologia sejam banidos das universidades. Claro que se dirá, em tom de deboche, que não se come filosofia, ou que sociologia não gera produção e empregos. Mas a questão não é tão rasa, até porque estas disciplinas não têm esta finalidade. As disciplinas práticas, como engenharia, medicina, têm a função de melhorar e facilitar a nossa sobrevivência. A filosofia, a arte, essas têm a função de aprimorar nossa humanidade. “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.

Como diz um meme que corre as redes sociais com uma frase atribuída, se não me engano, a Oscar Niemayer, todos os profissionais deveriam estudar filosofia para poderem pensar e falar sobre a vida. Ou pensar sobre a vida não é importante? Importante é só produzir, como um robô?
O fim da filosofia significa o empobrecimento humano de uma sociedade (o que já estamos sentindo). O símbolo que isto representa: o fim do investimento estatal nas ferramentas de tolerância, de humanização, este símbolo são os novos vinte centavos.

Uma das primeiras coisas que a humanidade fez quando conseguiu acumular alimentos e não precisava mais caçar e coletar todos os dias para se alimentar, foi investir no conhecimento. Inventou a escrita, as ciências e passou a pensar em arte e em filosofia. Era o investimento em sua humanidade. A luta por tempo para estudar, por desenvolvimento pessoal está presente inclusive na luta pela jornada de 8h de trabalho nos EUA, em 1866.

A luta entre a educação, a humanidade enfim, contra o obscurantismo é eterna. Sempre haverá recuos. Resta saber como reagiremos a eles. Agora também teremos cortes de verbas para universidades e a ameaça de as crianças não precisarem mais ir à escola e “aprenderem” em casa com os pais. Um recuo à Idade Média. Sem contar tudo que uma criança perde não indo à escola: amizades, relações com as diferenças, sentido de conjunto, relações de solidariedade e afeto. É toda uma gama de sentimentos que “não produzem”, nem “geram empregos”, mas que vão fazer diferença pela vida toda naquela parte da gente que precisa disto: a alma.

Portanto, não é o fim da filosofia e da sociologia nas universidades que fará do Brasil um país pior. Mas sim o que isto representa; o que está vindo de roldão. A educação brasileira foi jogada nas labaredas da vingança como se governar fosse uma desforra. Talvez a gente ache que nada disso mudará nossas vidas. Talvez a gente pense que é só uma ladeira que estamos descendo. Mas, dependendo do ângulo, pode ser um abismo. Talvez, ao final, a gente descubra que nada foi mesmo só por vinte centavos.

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