Zapeando pela internet, li numa revista espanhola de História um belo texto sobre as ações moralistas de Benito Mussolini, líder fascista italiano.
E, ao ler, não me surpreendi ao perceber que a História estava se repetindo. De tempos em tempos, o presente tem uns espasmos e dá uma revisitada no passado. Para alguns, História anda muito depressa e dá uma certa insegurança. Esta insegurança nos leva a um saudosismo de achar que o passado era um tempo melhor e tentamos reimplantar valores superados e anacrônicos para gerir o presente e o futuro.
Para ilustrar este círculo vicioso que estamos a reviver, podemos pousar o olhar sobre algumas ações de Benito Mussolini na Itália dos anos 20 e 30 do século passado e ver como o fascismo está sempre de mãos dadas com o moralismo exagerado.
Na sua cruzada moral, Mussolini proibiu o divórcio e promoveu casamentos com ajuda em dinheiro, assim como a natalidade, para evitar o colapso das famílias numerosas. Atacou a pornografia, a educação laica e a divulgação de obras literárias que julgava imorais. Num congresso médico, “o líder fascista foi aplaudido por seus esforços para mostrar à consciência popular quais são as paixões que levam à agitação social.” Infelizmente, não encontrei que paixões seriam estas.
Em 1929, o ministro do Interior italiano enviou uma mensagem aos prefeitos de toda a nação, “exigindo zelo em reprimir a imoralidade em qualquer de suas formas com mão forte e sem contemplação.”
O Vaticano, que tinha “ganho” de Mussolini o status de Estado no tratado de Latrão, de 1929, apoiou com força as decisões morais do líder fascista. Pio XI publicou encíclica a favor do casamento cristão indissolúvel e contra o casamento civil e o divórcio “em face do desejo imoderado pelo prazer da sociedade moderna”.
E na ânsia de atacar o prazer, a alta hierarquia vaticana publica, em dobradinha com o Duce, que o perigo comunista estava por traz da crise moral moderna. Uma de suas perversões seria o cinema, que propagava vícios e promiscuidade sexual. E elogia: “Na Itália pelo contrário, desde o advento do fascismo, há uma notável recuperação moral. Essa recuperação ocorreu porque qualquer apresentação pública que ofenda a moral foi proibida e se promulgou leis duras contra a pornografia, proibindo a exposição de obras literárias imorais.”
Ao fim e ao cabo, todos sabem como esta história moralista terminou. A Itália arrastada para uma guerra, milhões de mortos, a destruição de sua economia e, por fim, o justiçamento cruel de Mussolini, que tinha feito do culto da personalidade, da censura e da exacerbação moral eixos de seu governo.
A exploração da moral sempre foi “pão quente” na mão de políticos imorais. Jogar o fracasso das pessoas na conta dos avanços sociais e liberdades conquistadas, uma forma de aniquilar a democracia e fazer com que ela tenha que começar do zero novamente. É preciso reconhecer que o ovo da serpente está sempre sendo chocado, mesmo em tempos de emprego alto, salários melhor distribuídos, PIB razoável, programas sociais inovadores, fome em baixa; em suma, tempos de bons medidores econômicos e sociais podem sim gestar o retrocesso, a discriminação, o ódio que hibernam dentro das pessoas à espera de nos fazer andar em círculos, onde arrancamos os corações uns dos outros em nome de dogmas que moralistas não creem nem seguem.
Enfim, o medo do futuro mantém a História parada no tempo ou a faz girar para traz para enriquecer os espertos.