Charlatães são uma arte a ser estudada. Desde aquele sujeito que passa por ti na rua e deixa cair um bilhete de loteria para que tu juntes do chão e ele possa dizer que a sorte te sorriu de forma divina, até aqueles outros que vendem poções de felicidade e remédios de autoajuda. Os que vendem chás para todos os males, emplastros para todas as dores, pílulas para a ereção perfeita, reza para trazer seu amor de volta. O charlatanismo está sempre se reinventando e procurando novas formas de ganhar com nossa tristeza.
Os charlatães gostam muito da ciência, a ciência e suas incompreensões. A obscuridade é uma vantagem do charlatão quando quer explorar nossas necessidades e fraquezas. Gostam também da religião, outro veio de ouro para o bom de lábia que usa os deuses como muleta. Todos se arvoram em curandeiros como xamãs da idade da pedra. E a gente quase não percebe a miséria em que eles próprios vivem enquanto nos vendem prosperidade. Miséria moral, quero dizer.
Todo ano, charlatães vêm e vão. Muitos são desmascarados, mas logo uma nova nuvem deles vem infestar a sociedade. Muitos migram de área. A política é outra fonte inesgotável para charlatães de todos os calibres e vieses e, por mais preparados que possamos estar, sempre tem um que nos engana.
A antropóloga argentina Irina Podgorny publicou, há alguns anos, um livro sobre o charlatanismo e ela conta que uma das soluções que a Europa tomou no século XIX contra o curandeirismo foi a regulação da medicina. O que, em suma, representa a presença do Estado na defesa do cidadão. A intervenção do poder público tem o poder de inibir as fraudes, desde que ele próprio não seja uma.
Como ela diz, as pessoas creem no que querem e não exatamente no que seja científico e provável. E pergunta: “Que instrumentos têm uma pessoa para saber se o Big Bang é mais verdadeiro do que a lorota de um charlatão?”
Nenhum, claro! E por isso estamos todos sempre à mercê da conversa fiada, da linguagem escorregadia, do papo furado. Sempre somos ingênuos para alguém. O charlatanismo explora não só nossa ingenuidade, mas também nossa mania de esperteza, de dar um golpe, da ganância. Quando um cara nos oferece um bilhete premiado, ele explora nossa “lei de Gerson” enrustida; se vemos na internet um carro muito abaixo do preço, nem todos levamos em conta que ele pode ser roubado, clonado. O desejo do lucro fácil é a porta de entrada do charlatão em nossa vida. E entram sem bater, com aquele sorrisinho maroto nos lábios. “Oi, tudo bom? Tá a fim de uma barbada?” Na barbada, eles fazem barba, cabelo e bigode com nossa conta bancária.
Os charlatães são mestres, artistas. Ágeis no dom de iludir. A bolinha nunca está sob a caneca que pensamos que ela está. Eles a giram rápido, trocam de lugar e não trocam e não giram.
Os melhores nem querem nosso dinheiro. Não diretamente. Querem nosso voto, nossa devoção, nossa alma. Querem que briguemos por eles, que percamos amigos por eles, que entreguemos nossa vida por eles. Querem que suas mentiras sejam nossas verdades; seus pecados, nossas virtudes. Sua fé precificada, a nossa sincera.
Estão dizendo agora que vão trocar nossa previdência falida por uma que se sustente. Não provam, como bons charlatães. Pode ser só mais um bilhete “premiado” de loteria que jogaram no chão para que peguemos. Quando descobrirmos que é uma fraude, já fugiram com o capital do nosso futuro. Charlatões, meus amigos, são imortais!