No final dos anos 1970, o cantor Beto Guedes lançou a música “O medo de amar” em que prega que é “nosso dever: recusar o poder”. Um eco das utopias dos anos anteriores. O que, apesar da beleza da música, não é, para breve, um sonho que se cumpra. Se recusarmos o poder, nós, o povo, nós, os cidadãos, um aventureiro lançará mão, como disse D. João VI ao seu filho, Pedro I. E nossa omissão está prestes a entregar, de novo, o país a um sanguinário aventureiro.
A História tem um caminhão de aventureiros e aventureiras. Uma das mais legais (legais?) é a história de Catarina, a Grande que, através de um golpe, tomou o poder do marido, o Tzar Pedro III na Rússia em 1762. De origem germânica, Catarina não teve qualquer problema em deixar de ser luterana para se converter à igreja ortodoxa russa. Tinha 16 anos e não queria recusar o poder.
Pedro III era um completo despreparado. E os aventureiros se instalam quando se enfraquecem os líderes e o povo não vê mais neles qualquer sentido; quando o povo não vê mais sentido nem em si mesmo. O exército russo, a favor de Catarina, ordenou que ele retirasse as insígnias imperiais. Ele arrancou as insígnias e se despojou em seguida da espada, da túnica e das calças, sob os risos da multidão. A aventureira tomava para si a Rússia.
Catarina não tinha mais que repulsa e asco por seu marido. Talvez desde o primeiro dia do casamento, em que ele colocou sua matilha de cães no quarto e na própria cama em que ele e a menina Catarina dormiam. Pedro III também gostava de brincar de guerra. Montou uma fortaleza de papelão em cujas sentinelas colocava miolo de pão como se fossem soldados. Quando um rato comeu uma das sentinelas, Pedro III o capturou e reuniu um conselho de guerra para julgar o rato. Condenado, o rato foi morto pelo próprio Tzar, que vestira seu uniforme de gala para impor a sentença. Daí deduz-se que, às vezes, não tem como os aventureiros não lançarem mão.
Dias depois de deposto, Pedro III recebeu a visita de um tal Orlof, um gigante de punhos e aço que dobrava moedas com dois dedos. Depois de envenenado, as mãos colossais de Orlof lhe esmagaram a garganta. Era o fim do Tzar.
Catarina, a Grande, a aventureira que lançou mão, depois viria a ser muito importante porque patrocinou e deu guarida a Voltaire e a Diderot, os filósofos franceses que criaram a Enciclopédia que transformaria o mundo culturalmente. Ganhou um caminhão de guerras, aumentou a Rússia de tamanho. Aquele Pedrinho III realmente, desde o começo, estava pedindo pra sair. A aventureira tinha mais pedigree.
De qualquer forma, é sinal de fraqueza de um povo recusar o poder. E agora, neste 7 de setembro em que nossa Democracia está de joelhos e humilhada pelo excesso de políticos aventureiros, (nenhum à altura de Catarina II) os que estão saindo e os que vão entrar, cabe refletir sobre aventureiros que não recusam o poder. O povo, sim, é que não pode recusar o poder. Não podemos, como séculos atrás, ficar à mercê da vontade de déspotas.
Os ventos de outubro se aproximam. Escolheremos um aventureiro ou um cara sério e preparado? Alguém que pacificará o país, ou um que o banhará em ainda mais sangue? Um que tornará nossa Democracia mais forte ou alguém que trará consigo uma matilha de cachorros loucos a abocanhar o pouco que resta da nossa civilidade?