A literatura não é uma arma, é uma carícia

Eu sei que já devem ter dito a você muitas vezes que fadas não existem. Sinto muito que seja eu quem mais uma vez vem desmistificar sua realidade e acrescentar à sua vida mais uma fantasia. Você que já teve tantas desilusões: Papai Noel, Coelhinho da Páscoa, Velho do saco, Bruxa má, messiânicos líderes políticos. Não se desiluda, contudo, com as fadas.
James Barrie, escritor de Peter Pan já avisou: Cada vez que uma criança diz “eu não acredito em fadas”, uma fada morre. E se morrem, é porque existem. Onde? No melhor lugar, no único lugar onde podem existir. Onde existem as coisas fantásticas e fabulosas. Onde a realidade é insignificante demais para sobreviver. Na imaginação.
A imaginação é um mundo. Um mundo a parte. É onde tudo nasce primeiro. Onde as fadas fervilham e efervescem. Onde elas nos tornam heróis, mágicos, criativos, fortes e humanos. É de onde tiramos força e capacidade para enfrentar a realidade. É onde se sonha a ideia que depois se tornará a argila com que nossas mãos moldarão um futuro.
Quando uma criança diz que não acredita em fadas, a imaginação cai morta em algum lugar. É quando um sonho não se realizará; uma nova ideia de mundo não encontrará um mundo para se realizar.
James Barrieescolheu a Literatura para expressar esta verdade. Porque verdades a gente não diz com armas. A verdade se diz com carícias. Com armas, com violência a gente diz mentiras, enganos, a gente usurpa direitos, bens, valores. Quando a gente quer dizer uma verdade para repousar no coração dos outros, para que vingue, para que seja semente de beleza, de democracia, liberdade, a gente acaricia a alma das pessoas. A Literatura faz isso. Acaricia a alma e deposita uma fantasia poderosa que pode descascar depois como o ovo de um passarinho. Se não for assim, descascará como serpente.
Um bom livro é sempre um frenesi de fadas em nossa mente. Elas voam, zumbindo de um lado para outro. Umas choram, outras riem. A casa da imaginação fica incandescida de suas possibilidades. E a realidade? Uma boca aberta esperando que a fantasia se despeje em sua garganta. A realidade, para ultrapassar-se, precisa da fantasia. Precisa das fadas.
Li num livro uma vez que Stálin, tendo sua atenção chamada por seus generais que talvez devesse respeitar a força do Vaticano, perguntara: Quantas divisões, quantos canhões tem o Vaticano?,num desprezo à reação que o Papa pudesse impor a uma ação militar sua. Stálin não via, mas seus generais sim, a fortaleza imaterial que era dois mil anos das forças imaginárias do cristianismo. E o aconselharam: não faça.
Fadas que povoam o imaginário de milhões de pessoas sustentam uma realidade que, de outra forma, dificilmente resistiria a canhões.
Contudo, não nos iludamos. Nem a todos as fantasias convencem. Nem a todos, as fadas do encantamento seduzem. Nem a todos a Literatura é uma carícia na alma. Para alguns, a Literatura é só mais um punhal a lhes sangrar o coração. Usada como arma, a Literatura soa como sinos do ódio que as fantasias não ousam nem podem abafar.É quando as fadas vão caindo mortas uma a uma e é por isso que muitos de nós acabamos por não acreditar nelas.
E é por isso, enfim, que cada vez que um cidadão diz que não acredita nos livros como fonte de carinho, uma nação agoniza afogada na ignorância. E cai morta.

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