A história de um mito

Henrique VIII foi rei da Inglaterra nos anos 1500. Brigou com o Papa por causa de mulher e criou a Igreja Anglicana. Adorava trocar de esposa! A História diz que ele teve seis, das quais duas mandou decapitar. Ficou noivo da terceira um dia após cortar a cabeça da segunda. Cansado de fraquejadas, tinha uma fixação em ter um filho homem para sucedê-lo, já que não considerava uma mulher capaz de manter o trono.
Henrique VIII usava sua posição de rei para comer gente. Entre uma cama e outra, o país explodia. Há décadas, um lento, mas progressivo movimento retirava camponeses de suas terras. A dissolução do feudalismo criava uma horda de miseráveis. Pais e mães exploravam a mão de obra e a dignidade dos próprios filhos levados a trabalhar em minas de carvão e olarias desde a mais tenra idade. Os pedintes, desvalidos e assaltantes sobravam pelas cidades. Jogados num mundo para o qual não estavam preparados nem qualificados, à mercê de circunstâncias totalmente novas, foram imediatamente punidos pela realidade que lhes foi imposta. Henrique VIII agiu como agem cidadãos de bem.
Em 1530, editou uma lei: “Esmoleiros velhos e incapacitados recebem licença para mendigar. Para os vagabundos não inválidos, açoitamento e encarceramento (…)devem prestar juramento de voltar a sua terra natal e se por ao trabalho. Aquele que for apanhado pela segunda vez será açoitado e terá a metade da orelha cortada. Na terceira reincidência, executado”.
Eduardo VI, o filho varão que Henrique VIII tanto desejou, em 1547 lançou o seguinte estatuto: “Quem se recusa a trabalhar se tornará escravo de quem o denuncia como vadio. Será alimentado com pão, água e refugos de carne. Se fugir, será marcado na testa com ferro. Se fugir novamente, será executado como traidor do Estado. O dono pode vendê-lo ou alugá-lo.” Ah, os filhos destes podiam também ser tomados como escravos.
Por ironia do destino, Eduardo VI morre muito jovem, aos 15 anos. A fraquejada de Henrique VIII, Elisabeth I, assume o poder em 1558, enterra o catolicismo de vez, manda decapitar a prima Mary Stuart, católica e rival, e governa com mão de ferro até 1603. É dela uma lei de 1572 em que esmoleiros maiores de 14 anos devem ser duramente açoitados e ter a orelha esquerda marcada com ferro em brasa. Aos 18 anos, caso ninguém os queira para o trabalho e voltarem a esmolar, devem ser executados.
Claro, era uma época difícil, em que ninguém pensava em criar empregos. Só se pensava em matar quem não trabalhava e enchia o saco das pessoas de bem. Sorte que os tempos mudaram.
A dinastia moderna, mais moderada, não quer mais que o glamour de usufruir das riquezas que seus antepassados, por séculos, expropriaram com mão de ferro de seu próprio povo.
Henrique VIII é o mito do tempo em que o camponês perdeu suas terras e se tornou um pária de um mundo novo e desconhecido, vivendo as consequências de ser um pária; mutilado e morto por não saber o que fazer no mundo novo que lhe impuseram sem escolha.
Nosso futuro também nos reserva uma expropriação de direitos. Trabalho, décimo-terceiro, FGTS, aposentadoria. Muitos de nós nos tornaremos párias, mutilados e mortos, por não sabermos como lidar com o que vão nos tirar. Henrique VIII não era um mito. Era só um assassino, como toda sua dinastia. Como hoje.
Prepare sua orelha esquerda.

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