A gente nunca sabe…

Quando os alquimistas chineses do século I inventaram a pólvora, nenhum deles sequer imaginou que, 700 anos depois, ela seria usada numa arma chamada mosquete e que este mosquete seria empunhado por um navegador inglês chamado Charlie Savage, que em 1808 subiria sozinho um rio das ilhas Figi até chegar a um vilarejo chamado Kasavu. Do meio do rio, com uma arma desconhecida pelos indígenas, Savage começou a atirar nos habitantes da tribo até haver tantas vítimas que, empilhadas umas sobre as outras, os sobreviventes puderam formar uma proteção. Esta ação mudou Figi para sempre. Quando se abre o leque da História, a gente nunca sabe…
Quando os europeus, milhares de anos antes de Cristo, começaram a criar imunidade contra diversas doenças por conviverem com animais domésticos, não podiam prever que seus descendentes do século XV, que iniciaram as grandes navegações, aportariam numa praia dos Estados Unidos, nos anos 1500, levando varíola, sarampo, gripe e tifo, dizimando milhões de pessoas. Este fato mudou a história das Américas e do mundo.
Todas as decisões que tomamos têm um sentido imediato e um histórico, de longo prazo. Sejam elas políticas ou pessoais. Sejam elas conscientes ou inconscientes. Tudo está interligado. Desde o que se decide estudar, ao que se decide trabalhar, a quem se decide amar. Tudo está sujeito às leis das consequências. Tudo é o rastilho de uma explosão futura.
Quando a Alemanha votou em Hitler e se fez de cega às suas atrocidades, o país foi dizimado; quando o Japão decidiu atacar Pearl Harbor, levou duas bombas atômicas de resposta. A lei das consequências precisa ser sempre avaliada. Principalmente se optamos pelo caminho bélico.
Escolher é sempre uma aposta no escuro. Um monstro de centenas de cabeças. O fato de a gente nunca saber o resultado final de nossas escolhas está no cerne do ser humano. A vida é um jogo fortuito de pegar ou largar. Erros de avaliação fazem parte do processo. A gente está sempre escolhendo. Ora um caminho, ora outro. E a gente nunca sabe…
Amores e amizades vão e vêm como que na lira dos ventos, dos novos desejos, das necessidades ou de meras pequenezas torpes do ego. Todos somos movidos por interesses. Mas nunca sabemos onde estes interesses vão desaguar. Se na alegria ou no infortúnio. Se no riso ou na solidão. Se na vida ou na morte.
Temos hoje um dia inteiro de escolhas. Cada uma nos levará a um novo destino; se continuamos a amar quem amamos, ou desistimos deles; se continuamos amigos de quem somos, ou desistimos deles; se continuamos com uma ideia de mundo, de país, ou desistimos dela; se continuamos no emprego em que estamos ou se desistimos dele. Cada decisão terá consequências tanto imediatas como para o futuro distante; tanto para nós pessoalmente, quanto para quem convive conosco. Sonhos de amor, de amizade, de vida profissional e de política jogam nossa existência para as incertezas do futuro. E a gente nunca sabe…
Errar, erramos muito. O que nos resta é não escolhermos as decisões de ódio que o presente contempla tanto. Não mirar nossos mosquetes para os indefesos e não disseminar nossas “doenças” àqueles que não têm como lutar contra elas.
Decisões, enfim, têm que ser tomadas. Escolhas têm que ser feitas. Mas é sempre bom ponderar bem as motivações. Quando a gente acende o fósforo, nunca sabemos onde o rastilho da pólvora que há em tudo vai explodir.

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