José nasceu humilde.
Seus pais não pouparam esforços para que estudasse. Para que se tornasse alguém. Para que fosse doutor. E, dentro das suas possibilidades, o Zé escolheu ser professor. Doutor não; o salário não chegava, a carga horária não permitia. O Estado não queria.
Estudou para ser professor, mas tinha talento para vendas também: o Zé vendia cobertor, semijoia, perfume e congelado. Vendia tudo o que podia nas horas vagas. E as horas vagas eram aquelas entre a jornada de 10 horas diárias de trabalho formal, mais duas horas de deslocamento entre a sua casa e uma escola e outra, e suas seis horas de sono. Mas, na verdade, a conta não era bem assim; o Zé não tinha regalia: seis horas de sono, descontadas as horas em que pensava, filosofava, planejava, levantava e anotava, revirava armários e voltava para a cama, a pensar. E sonhar (o Zé sonhava tanto!).
O Zé fazia o que podia. Mas tinha sempre um buraco no estômago, que ele tentava explicar citando Paulo Freire: “É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador.” E o Zé tinha fome de mundo, e de ver seus alunos ganharem o mundo melhor.
Só que tinha dias em que a fome era demais; era inanição. E o mundo, tão grande, pesava sobre os seus ombros, implorando salvação. E o Zé sentia que seria engolido por seus próprios ideais.
Na faculdade não lhe contaram sobre os bandidos que aliciavam alunos em portões, sobre aqueles que saqueavam a merenda, sobre os que desviavam as verbas e nem sobre aqueles que roubavam parte do seu salário.
Não aprendeu sobre como se defender dos tiros que vinham de todos os lados. Sobre as armas de altos calibres e aquela outra que também fere demais: a palavra. O Zé estava na linha de frente; no fogo cruzado entre a acusação de ser invasivo ou ser negligente.
Ele sabia ensinar. Só não sabia que teria que dar conta da fome dos alunos (uma fome bem diferente da sua), das suas doenças e tristezas. Daquilo que não estava nos livros, nem previsto nos planos de estudo, mas que vivia em seu coração.
O Zé não entendia o porquê de a sociedade ter duas caras. Das pessoas, tantas vezes, lhe virarem a cara. O porquê daquelas mesmas mãos queaplaudiam o político e seu discurso prontosobreeducação, apontarem o dedo na cara do professor.
Apesar de não perder a esperança, porque essa, me parece, é a grande prerrogativa da vida da gente, com o tempo vamos aprendendo que, para acusar, um milhão.
Para ajudar o Zé, ninguém.
Minha admiração e gratidão aos professores que batalham por um mundo melhor.