Engoliu um comprimido para dor de cabeça. Na verdade, precisava de dois; a dor era grande, mas ficaria sonolento e não conseguiria acompanhar o desfecho da situação de logo mais. Definitivamente, preferiu ficar com apenas um comprimido.Engoliu um comprimido para dor de cabeça. Na verdade, precisava de dois; a dor era grande, mas ficaria sonolento e não conseguiria acompanhar o desfecho da situação de logo mais. Definitivamente, preferiu ficar com apenas um comprimido.Sobre o balcão da copa o jornal do dia, totalmente fora de ordem. Um único exemplar para dar conta de tantos funcionários–leitores. Revirou-o um tanto a mais, até encontrar o que procurava: indignação. Foi com indignação que leu a chamada num canto da capa. Lá dentro, perdida numa página qualquer, uma pequena nota, não mais do que uma nota, para um acontecimento tão grande…Contou os minutos para deixar a repartição e aquele sistema automatizado; a fila indiana, o cartão-ponto e a obrigatoriedade de se dizer uma bobagem qualquer, a que o chefe denominava cordialidade. Aquelas pessoas, com seus risinhos e cinismos, eram profissionais em piadas prontas. Deixou que quase todos saíssem na frente, apesar da pressa de chegar em casa e acomodar-se no sofá da sala.A novela das seis mal havia começado, mas o homem já estava ali, a postos, a cuia na mão e os olhos na tevê de 32 polegadas, comprada em 30 vezes.Então veio o primeiro sim. E o segundo, seguidos de pequenos discursos tentando justificar o injustificável.Ele bufou, enquanto sua mulher, sentada no braço do sofá, revirou os olhos e disse que a noite seria longa. Buscou uma bacia de pipocas e deixou no colo dele, ainda a tempo de assistir o primeiro não. Depois vieram os gritos. E as palmas. E outro sim. Envaidecidos, deputados discursavam, alguns como guardiões da economia; outros, bastiões da moralidade, daqueles velhos costumes arraigados na nossa política. Um que outro ousava intitular-se o Messias, aquele que veio para salvar o povo brasileiro do que é vermelho, que sempre foi a cor do… O homem não conseguiu ouvir o final da frase, interrompido pela conversa da casa. O filho, que chegava da faculdade, perguntou quantos deputados haviam votado. A mãe respondeu que 82.- Bah! Mas são 513! Hoje não vai dar nem o Jornal Nacional.O rapaz ainda lembrou que era quarta-feira e a emissora encerrava toda a programação mais cedo em função do futebol. O que seria mais importante naquela noite, futebol ou política?O homem suspirou, olhando o relógio. Contabilizando as horas e os votos.Não pelos trabalhadores. Sim pelos desempregados. Não pela corrupção. Sim pela economia. Não porque a opinião pública “tá em cima”. Sim por mim. Não por isso. Sim por aquilo.Não. Sim. Sim. Não.Sim. Sim. Sim!A sala enchia. O saco do homem também. E ele que, até então, apenas resmungava, quebrou o silêncio:- Uma pouca vergonha… A mãe dele, depois de reclamar que a água do chimarrão estava fria, gabando-se, cochichou com a nora:- Igualzito ao avô! Meu pai também fazia assim; discutia política com a televisão. Uma beleza!Vendo que, à medida que o número de sins crescia, aumentava sua dor de cabeça, o homem pediu licença à família e foi para cama. Pelo sim, pelo não, tomou mais um comprimido para aliviar a dor. Era muita ansiedade.21h30min.Deitou. A mulher ligou a tevê do quarto e ele, espiando com o canto do olho, assistiu a bancada governista comemorando.Ela surgiu em roupa de dormir. Passava creme nas mãos, recostada na porta, como numa cena de novela. E, vendo que o marido ainda estava acordado, arriscou indagar:- Amor, você tinha alguma dúvida de que o Temer ia se safar?-Temer? Que Temer? Eu não queria era ir dormir sem saber se a Jeiza ia se salvar do tiro do Rubinho…