– 41 anos, não fumante, não faz uso de bebidas alcoólicas ou drogas. Sedentária; ligeiramente acima do peso. A senhora relata falta de ar e uma dor que se espalha pelo peito…
– Mal-estar, doutor. Um desconforto nessa região, dos braços e pescoço.
– Estive olhando aqui seus últimos exames; são do ano passado, né? Melhor repetir, mas, aprincípio, seus exames físicos não demonstraram nada significativo: não há alteração morfológica nas válvulas, e o pericárdio mostrou-se normal. Contudo, hoje notamos o aumento da sua pressão arterial durante o repouso, o que é bastante incomum.
– Acordei agitada com um pesadelo doutor.
– Hum…
– Sonhei que estava aguardando ser atendida aqui na emergência, quando deu entrada um rapaz muito machucado. No meu sonho ele apanhou porque pensava diferente da maioria. Logo em seguida chegaram os agressores. Eles gritavam que eram homens de bem e ameaçavam os funcionários do hospital, exigindo ser atendidos primeiro do que os outros.Os seus olhares… As mãos ensanguentadas de um sangue que não era deles… Foi um sonho horrível…
– Infelizmente não foi sonho.
– Nossa! O que deu nessa gente?
– Estamos examinando os agressores para descobrir do que se trata: intolerância ou raiva. Há uma epidemia das duas por aí.
– Então, doutor, estou assim há bastante tempo: perdida. Sinto-me enjoada, nauseada. Ondas dessa coisa ruim me invadem e eu fico aterrorizada, com a impressão de que meu tórax está sendo esmagado.
– Em seu histórico familiar consta que perdeu pai e mãe vítimas de infarto; isso não é bom.
– Daí a minha preocupação. Há dias me sinto sufocada.
– No que a senhora trabalha?
– Sou professora. Sempre gostei da minha profissão. Mas, ultimamente, suo frio sempre que algum estranho se aproxima. Isso não acontecia antes; fiquei assim desde aquele incidente lá na praça, quando fomos chamados de vagabundos. Depois veio todo aquele reboliço nas redes; fomos expostos, inclusive nossa vida pessoal, porque tentamos formar cidadãos conscientes. Isso sem contar o parcelamento…
– Olha a pressão!
– De pressão eu entendo doutor.
– A senhora estava na escola quando passou mal?
– Dessa vez não. E dessa vez, como eu disse, foi mais forte do que das outras vezes. Eu estava em casa, depois do trabalho, tomando chimarrão com a minha família. Lembro de ter pego o jornal para ler, e dizer ao meu marido “era só o que faltava”; havia uma manchete sobre cura gay… Depois disso, só confusão.
– Chegaram seus outros exames. O teste de sangue e o eletrocardiograma descartaram problemas cardíacos, então vou lhe receitar apenas um antiácido.
– Mas o que é que eu tenho afinal, doutor?
– Não se preocupe; é apenas indigestão. Algumas coisas não descem mesmo, mas a gente sobrevive.