Carta para meu filho adulto

Então agora você se deu conta de que é o detentor das histórias da família. De uma hora para outra, aqueles que corroboravam com o nosso pequeno mundo começaram a partir e você se viu mais responsável, mais adulto. Herdeiro dos causos de pescaria, mato e assombração.
Idosa, na melhor idade, veia. Eu também já fui jovem, lembra meu filho?
É incrível como a gente, quando é novo, sempre acha que os velhos já nascem velhos. E é incrível, também, que, por mais que a gente deseje atingir o que chamamos de uma idade avançada, nos imaginamos chegando aos 90 anos com o corpo e a energia dos 30. Aos 40, eu mantinha o espírito dos 20; ainda hoje, tanto tempo depois, quando eu preciso de colo, volto aos meus quatro anos. O futuro chega todo dia, vira presente e muda tudo. Mas o bom é que a gente muda também; você, crescido, é bem diferente de quem um dia eu fui na sua idade. Quando a gente é criança, quer crescer a qualquer custo; será que você já chegou à fase de querer parar o tempo?
A minha infância durou muito mais do que a sua; eu corria na rua, brincava nos terrenos baldios. Mas os avanços do mundo, cada vez mais, encurtam nossos dias. Agora, que o amanhã quase nos alcançou, provavelmente nossos assuntos sejam outros e nossas visões de mundo cada vez mais diferentes. Talvez daqui a alguns dias você também precise de óculos. É certo que nós vamos continuar enxergando a vida por ângulos diferentes; isso sempre foi muito bom, não é mesmo?
Quando você era criança, gosto tanto de repetir… Eu lembro que não, não mais, e que hoje você é homem feito, e que, talvez, já compreenda uma pequena parte de tudo o que vivemos. Entendo que, quanto mais a morte se aproxima, menos tenho pressa. Por que será que não percebi antes? A vida cumpre o seu papel, ela sempre se renova, e muitos são aqueles que não querem saber do passado. Não querem aprender com ele. Seja como poucos, meu filho; aprenda tudo o que puder, preste atenção à História. A pressa, que eu sempre detestei; o tempo, que eu vivo a questionar; não se torne refém de nada nessa vida.
Eu ando cansada. Cada vez mais irritada com relógios e alarmes, esses perseguidores. Arrependida dos arrependimentos; dos cafés que não tomei, dos almoços que não tive, e do tempo escasso para as conversas com você: minutos que hoje me fazem tanta falta.
Agora me despeço, pedindo, mais uma vez, para que você nunca deixe de me responder. Que me escreva contando histórias; novas histórias. Nossas histórias.
Principalmente aquelas que eu já esqueci.

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