Confesso que enrolei o que podia pra escrever esse texto: a família, o cansaço e, até, um jogo de futebol fizeram com que eu deixasse a crônica pra outra hora; pra depois. Todo dia a mesma história: amanhã, quem sabe?
E você? Provavelmente deveria – ou poderia – estar fazendo outra coisa ao invés dessa leitura: tomando café, digitando um relatório, carpindo um lote? Também deve ter deixado pra amanhã alguma coisa premente em troca dessa breve pausa pra pensar sobre a nossa procrastinação.
Um abismo enorme separa o que deveríamos do que poderíamos fazer e, comumente, acabamos nos jogando dentro dele sem pensar. Dever tem a ver com o que os outros esperam e o que nós mesmos nos impomos como obrigação; o poder é uma oportunidade, nosso direito de escolha. Você optou por estar aqui.
Por muito tempo, fui uma daquelas pessoas que exigia muito de si mesma. Exigia pra já. O acúmulo dessas exigências eu colho todos os dias, e é um baita ranço dos prazos e uma eterna luta contra o tempo. Quando vivemos cerceados pelo que consideramos urgente, algum dia cai a ficha e nos damos conta de que acabamos abdicando da nossa própria vida em prol de obrigações desnecessárias. E eu já fui daquelas pessoas que amargava culpa por não dar conta do que era pra hoje, e excessos sempre levam ao esgotamento.
Assim como desapegamos das bugigangas que entopem nossos armários, precisamos abrir mão da ansiedade e da frustração que pesos e deveres inúteis nos trazem. Sempre é tempo de discernir o que é importante daquilo que abarrota nossa mente, nos impedindo de viver melhor.
Hoje eu prefiro conversar com os amigos do que me cobrar tanto. Tomar um chimarrão e um banho demorado no final do dia. Ler um livro e brigar um pouco com a televisão, ao invés de remoer culpas. Deixo pra pintar o cabelo só no outro dia, mesmo sabendo que a raiz estará enorme. Pra passar o vestido em cima da hora. Pensar nos problemas mais tarde; só amanhã, quem sabe?
Não me interprete mal, porque não estou apregoando irresponsabilidade, pois é certo que há muita gente contando conosco todos os dias. Só não podemos mais abrir mão do almoço, do sono e da qualidade de vida pra dar conta de tudo.
Se conselho fosse bom, eu lhe diria pra compensar o desassossego das coisas que não podem ser deixadas pra depois por uma lista daquilo que pode ser deixado de lado. Pra sempre, quem sabe? Nossas culpas, por exemplo.
E amanhã? Quem sabe eu acordo mais cedo?
Ou assumo os meus cabelos brancos de uma vez por todas.