Os abduzidos

Dia desses alguém me xingou muito por eu estar sem meu celular. Não passa semana, aliás, sem que alguém se estresse comigo, mas tchê, tem celular pra quê, se não atende? Ou cobre que não visualizei o whats. Ou que não respondi na hora. Ou que não curti no facebook. Ou como assim, eu não estava a par do último bate-boca, ou bate-teclados, do grupo xis? Carinha de espanto. Carinha não, emoji (“e” significa imagem e, “moji”, é letra, mas isso em japonês, tá, só pra explicar, porque eu adoro explicar). Meus argumentos de sempre nem adiantam, que celular não é piercing, que não está nas listas de EPI – como equipamento obrigatório de proteção individual -, que não faz parte dos meus órgãos, nem os sexuais ou respiratórios, e também não há lei que me determine a andar grudado num aparelho de telefonia móvel. Porque é só isso que ele é. Telefonia móvel. Todo o resto é pura bobagem.
Então lembrei de umas três décadas atrás – e o que são trinta anos neste mundo de milênios? – quando descíamos, eu, minha mãe e minha irmã, da então Vila Santo Antônio para chegar no prédio da CRT, no Centro, e pedir uma ligação para conversar com a minha avó. A gente pegava ficha de atendimento, esperava ser chamado, ia até o balcão, fornecia o número a ser ligado e voltava para a espera. Depois de algum tempo nos avisavam, “cabine número tal!”, e a gente se enfiava lá, os três, para meia hora ou mais de conversa, que custava alguns poucos trocados, e só então pagava. O problema mesmo era a demora. E a baita logística pra conseguir aquela ligação. O bom era que todo o esforço terminava num cachorro-quente na Ramiro, bancado pela mãe. Irmos ao Centro era um acontecimento. Um passeio dos grandes. Isso só parou de acontecer quando, após pagar por anos mais do que custava um carro importado, o telefone chegou lá em casa. E foi uma festa. Difícil explicar uma coisa dessas para quem tem menos de 40 anos.
Esse conflito de gerações é interessante. Ainda mais no momento atual. Quando vi objetos que eu nem sabia que já estavam em desuso, e que usei, expostos como peça de museu no Sítio Steffen, em Vapor Velho, deprimi.Tô velho. Esta semana precisei chamar a atenção de um recruta, na Escola da Brigada, e, como ele tinha um bom comportamento até então, optei só por adverti-lo. E disse “na próxima te boto na máquina”. Era uma expressão do meu tempo, pra dizer que formalizaríamos, produziríamos um documento, botaríamos papel e carbono na máquina de escrever para narrar a alteração e aquela coisa toda. O guri?Olhou pra mim com cara de quem não entendeu nada.
Mas se a telefonia evoluiu tanto, ao ver as pessoas todas, em todos os lugares, abduzidas pelo seu celular, sinto pena da humanidade. Conversam com mil amigos no aplicativo ou na rede social e não enxergam quem está ao seu lado. E que pode ser um ladrão atrás justamente do seu celular. Andam pelas ruas num andar curvo, nariz grudado no aparelho, como que hipnotizados e sugados por uma telinha minúscula. Minha geração era sugada pela tela do televisor, admito. Outras gerações foram hipnotizadas por loucos varridos. Enfim. Não sei o que é pior. Só sei que me nego a costurar um celular na minha genitália ou no meu cérebro. Podem se estressar.

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