Falo de torrada simples. Pão de forma, manteiga, presunto e queijo. Sem parangolés de misturas e temperos. Aquela que a gente faz em casa, talvez até com pressa, ou com preguiça. Ou pede dentre as opções mais baratas da lanchonete num intervalo qualquer de compromissos exaustivos. Banal para uns, luxo para tantos. Quem nunca aliviou a fome com uma boa torrada simples?
Pode não ser o alimento mais saudável. Mas é uma combinação sedutora de sabores que se completam e aperfeiçoam. Torrada tem gosto de infância perdida. Principalmente quando aquele fio de queijo surge, rebelde, e une as fatias recém cortadas, ou tenta segurar o naco mordido junto ao resto todo que sobreviveu à nossa gula. O fio de queijo é o momento mais esperado da torrada. O clímax.
Procuro não perder nada daquele fio de queijo. Como fios de uma boa macarronada. Mesmo que ele, o queijo, tente se refugiar no guardanapo ou no prato. Mesmo que ele dê voltas em torno do pão. E se ele der essas voltas no pão, ah!,fica melhor ainda.
Se alguém oculta o fio de queijo da torrada, constrangido, como se quebrasse alguma regra de etiqueta, está com problemas. Se houver quem ignore o fio de queijo da torrada, bom, então eis alguém que não sabe ver o que há de bom nesta vida.
Mas sabemos ver realmente o que há de bom nesta vida? Conseguimos ver? Sinceramente, creio que temos dificuldades. Perdemos muito com a pressa. Com a febre de ter. Andamos muito ocupados, sem tempo pra nada, nem pra nós mesmos, quanto mais para os que amamos.
Perdemos muito tempo discutindo, brigando, rompendo relações por questões que, se nos afetam, no fundo dão sempre o mesmo resultado. E não estamos inclusos, a maioria esmagadora de nós, nos beneficiados pelo final da equação. Somos invariavelmente resto. Mesmo assim, brigando por esse nada que nos compete há séculos.
Nós perderemos amigos porque elevamos o tom para discutir política, e a discussão política não é mais como era há trinta anos atrás, tempo em que ainda nos restava alguma utopia. Tempo em que acreditávamos que havia, de forma bem clara, os bons e os maus, os que representavam os ricos e os que representavam o povão. O tempo mostrou que, na verdade, não importa o grupo que está no poder, as alianças sempre serão as mesmas, o pagador de impostos será sempre um mero pagador de impostos e, lá em cima, o que acontece é uma grande orgia de grana e poder para a qual nunca seremos convidados. Não nós, os mais comuns. E que muitos dos que se dedicam integralmente à crítica querem apenas tomar, ou retomar, um espaço de poder. Uma boca nessa mamata. Uma fatia desse bolo. Só.
Então perdemos a chance de deixarmos isso de lado, porque nossa discussão repetitiva não mudará nada, afora a amizade que perdemos. E perdemos a chance de prestar atenção em quem de fato nos importa. Ou importaria. Perdemos – eu, você, todos nós – muitas vezes a chance de, apenas, perceber o sabor do fio de queijo na torrada simples. Só porque estamos afoitos e engolimos tudo inteiro.