Cada vez que chega a Páscoa, eu me divirto olhando nas lojas e supermercados a variedade de novos ovos. Personagens, temas, praticidades e brindes. A criatividade me seduz. Seja onde for. Pode ser num livro, num filme ou mesmo nesses produtos meramente comerciais. E, como sou um dos grandes povoadores do planeta (um amigo disse até que preciso estar num estande da próxima Expointer, como reprodutor de raça), há anos nunca deixo de ter criança em casa para comprar chocolates. E jogar a culpa no Coelho. Só que nunca são apenas os filhos. Tem sobrinho, afilhada, etc. Brabo é caber no orçamento. Que o preço do ovo de Páscoa anda pior que obra do governo, sempre lá em cima e sem muita explicação. O Coelho deve ter comprado uma frota de caminhões para tanta entrega do ovo e o preço do diesel tá matando o negócio do cara.
Sujeito que precisa financiar um lote de presentes na Páscoa, deve calcular bem para que as prestações acabem antes do Dia da Criança. Que, por sua vez, precisam ser curtas, pois logo em seguida tem o Natal. Fora os aniversários de todos, que cada filho nasceu num mês distante do outro só pra complicar. E falar que o mais importante é o amor, a religiosidade e por aí vai, nestas horas, é um risco. Aliás, pobre João Ernesto: nasceu em 27 de dezembro e, todo ano, recebe presentes com a frase “esse é de Natal e aniversário, tá Joãozinho?”. Enquanto os outros ganham dois, um para cada data. Precisamos lutar por uma distribuição de presentes mais justa e igualitária, companheiro João. Ele nem dá bola. É bem feliz assim, curte mesmo é brincar com os amigos que, mesmo no Verão e com tantos pais em férias, vêm sempre em bom número na sua festinha.
O juízo desses valores, aliás, é uma deturpação dos adultos. Nós é que queremos chocolates Nestlé, Lacta ou Neugebauer (e me perdoem se uma já comprou a outra e agora é tudo a mesma coisa, como acontece volta e meia com essas grandes fábricas de bebidas, nunca sei o que ocorre num mundo dos altos negócios, sou da plebe rude). Quando eu morava em Porto Alegre, havia um tráfico de ovos de chocolate piratas incrível. No calçadão da Rua da Praia, camelôs estendiam suas lonas e ofereciam uma variedade com todos os tamanhos e cores por preços dez vezes menores do que os das lojas. Era a salvação para quem não podia bancar os produtos charmosos e caríssimos originais. É que criança nem dá bola pra marca, gosta mesmo é de rasgar embalagem. Se o ovo for grande e colorido, tá feito. Seja Nestlé ou tenha gosto de sabão (que, francamente, esses chocolates piratas devem ter um processo de fabricação pior que o da salsicha). Só um detalhe: hoje,criança gosta mesmo é do brinde que vem dentro. Abre o ovo com avidez e nem é pra comer, mas pra ver que brinquedo tem na surpresa. No meu tempo vinha, no máximo, dois ou três ovinhos menores. Aí, o único brinde de um ovo pirata é a provável diarreia que ele provoca.
João me perguntou que ovo eu queria nesta Páscoa, ele iria me dar. João tem seis anos e se acha adulto desde que nasceu a Joana. “Qual herói, pai?” TexWiller, respondi. “Não tem, só Vingadores, Liga da Justiça, Power Rangers, Doki, Peppa, etc. Escolhe um time, então”. Brasil de Pelotas. “Ah, só tem Grêmio e Inter, mas vou procurar do Flamengo que é parecido”. Nada é parecido em termos de time do coração, meu filho.Ele encerrou dizendo que, enfim, os meus ovos não existem mais. E que vou ficar sem ovos. Fiquei preocupado. Acho que vou levar um papo com o Coelho sobre isso. Afinal, eu e ele temos muito em comum.