Acreditar ou não

Nesses tempos tecnológicos e rápidos demais, volta e meia surge um novo medo. Uma nova ameaça. E quase sempre contra os nossos filhos. Talvez para que voltemos a prestar atenção neles, que ainda estão ali, em carne e osso e olhar carente, bem ao nosso lado. Os nossos filhos. Morremos de medo de perdê-los, ainda que quase todos os dias a gente troque eles por trabalhos sempre tão importantes, ou reuniões, ou compromissos inadiáveis, ou redes sociais abdutoras. É triste só se dar conta de que tem filhos ao levar um susto. Coisa dessa vida contemporânea, onde até o afeto acaba terceirizado.
Há pouco tempo, era o jogo da baleia azul que apavorava. Criado na Rússia, dizem. E, ao contrário da vodca, essa paternidade os poloneses não reivindicaram. O tal jogo da baleia azul induzia à automutilação e ao suicídio. Fazia crer que as baleias azuis se suicidavam ao encalhar e encalhavam com frequência pelo seu tamanho. Tá, esse negócio de encalhar é ruim. Tive uma vizinha que repetia isso a todo instante. Mas o maior mamífero do planeta só corre risco de vida, mesmo, quando topa com humanos. Embora os colorados tenham outras explicações para a tristeza da baleia azul. Melhor nem comentar.
Agora é essa tal da Momo, incomodando. Ao que tudo indica foi criada no Japão. Ou alguém se aproveitou daquela famosa escultura japonesa da mulher-pássaro (aliás, coisa bem feia aquela, hein!, desde Ultraseven & o Esquadrão Ultra dando cambalhotas, e alienígenas que mais pareciam saídos do ralo do banheiro, que eu não via algo de gosto tão duvidoso feito por lá). A Momo é o novo pesadelo virtual. Provoca horrores, ameaça e ensina o suicídio, dizem.Há quem duvide de sua existência. E há quem jure que seus filhos já tiveram a visão macabra. Verdade ou não, daqui a pouco ela some pra aparecer outra bizarrice parecida. Medos e mitos são tipo carro popular, tem sempre novidade por aí. No meu tempo, era o Véio do Saco. Que eu nunca vi. Ou vi vários, depende da ótica. Já do Bicho Papão eu duvidei, até ver com meus próprios olhos. Em Brasília. Havia uma penca deles por lá, papando tudo o que viam.
Não é que eu duvide que a Momo existe, mas criança é criança. Certa vez, eu tinha uns oito anos e Marcinha seis. E lá em casa, sempre que se perdia algo, a minha mãe cravava um pedaço de pau no chão, resmungava que estava enfiando no (não vou dizer) do diabo e o xingava, mandando devolver. Não é que dava certo? Mas ela avisava, criança não pode, a criatura maligna aparece. Foi o mesmo que nos dizer “façam!”. Ora, que aventura fantástica pra contar depois, no colégio! Perdemos não lembro o quê de propósito e enfiamos um galho no chão, com força. Xingamos ele bastante. E esperamos. Nada. Retiramos o galho, cravamos de novo, xingamos outra vez e ainda mais. Nécas. De repente, quando eu estava pronto pra desistir, ela correu pra dentro de casa, aos gritos. Eu me apavorei e corri também. “Eu vi, eu vi! Tu também viu?”, ela perguntou depois, olho arregalado. “Claro”, respondi, pra não ficar pra trás. Ela só tinha seis e eu já era grande, oito anos, como não ia ver o bicho? “Vi sim, vi mais do que tu!”, retruquei. Baita mentira. E só fomos revelar como mentimos um para o outro já adultos. Tá, éramos crianças dos anos 70: nossa TV era em preto e branco e a gente acreditava no monstro do Lago Ness. Não havia celular. Nem Youtube. Mas criança é criança. E ser criança é isso, é descobrir, é se aventurar. Por isso precisa de atenção. De proteção. Contra verdades e mentiras.

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