Quando estive em turnês literárias por Minas Gerais e São Paulo, fui anunciado nos eventos como “escritor montenegrino”, além de gaúcho. Não corrigi o erro. Embora seja porto-alegrense e, afora isto, só ganhei um título meritório citadino em São Sebastião do Caí. Mas, por ter trabalhado lá por apenas sete anos, acho que posso me considerar caiense. Como o diploma autoriza, seria desrespeitoso com os cidadãos que fazem de fato a história daquela cidade. E nunca morei lá, só aqui.Há exatos 40 anos, em 1979, desembarquei ainda menino em Montenegro. Nos meus primeiros nove anos, fui criança lá na capital, no bairro Tristeza. Meus pais estavam em dúvida entre morar aqui e em Osório, mas minha mãe insistiu que gostaria de morar onde o pai tinha familiares. Para não se sentir tão isolada. E pra fugir daqueles ventos de deixar o povo com os olhos ardendo. Às vezes, penso em como teria sido a minha vida se a escolha fosse outra e eu tivesse vivido minha adolescência mais próximo ao mar. Mas, na época, em minha nova casa, eu teria até um quarto só meu, e isto já me bastava.
Em Montenegro, descobri o prazer de pedalar livre pelas ruas. E a maravilha de ser rato de biblioteca, fosse a antiga biblioteca pública (demolida) ou a da minha escola. Eu me enfiava entre as prateleiras e descobria aventuras que até hoje me dão saudade e provocam releituras. Em Montenegro, comprei meu primeiro gibi do Tex, fiz as amizades que durariam a vida inteira, vi pela primeira vez um escritor ao vivo, na varanda de sua casa, e quase caí da bicicleta emocionado. Aprendi a jogar xadrez. Fiz o mais belo gol de minha carreira futebolística (sobre a qual é melhor nem comentar). Fui desenhista de gibis artesanais. Vivi meu primeiro grande, atribulado e inesquecível amor. Também aqui tive grandes decepções. Mas é onde a gente vive as maiores emoções da vida que se torna aquele lugar pra chamar de “meu”.
Adrenalina não, minhas maiores adrenalinas foram vividas nos quinze anos longe daqui. Mas voltei justamente para buscar qualidade de vida aos meus filhos. Não me arrependo. Nem entro no mérito de contextos ocasionais. A Montenegro que me recebeu era outra, com certeza. Mas ainda gosto da possibilidade de calma que o lugar onde moro me proporciona, ainda que eu esteja distante de ser o sujeito calmo que gostaria de ser. Não sei se ficarei na cidade para sempre. Nem quanto tempo ainda viverei. Independente disso, minhas maiores raízes aqui estarão sempre. E meus maiores sentimentos. Então, se alguém se enganar e me chamar de montenegrino, tudo bem. É uma honra.
Oscar Bessi Filho
Escritor