O dois Tomés

Stephen Jay Gould escreveu o livro Rocks of Ages, que eu comprei no lançamento, quase em um lance de sorte. Nesse livro, ele desenvolve a ideia de separar Ciência e Religião pelo magistério.

O livro começa com a história de dois Tomés (ou Thomas em inglês). O primeiro é o discípulo Tomé que é citado três aparições no Evangelho de João, que ajudam a entender os diferentes poderes e procedimentos da ciência e da religião.

A primeira, encontramos Tomé no capítulo 11. Lázaro morreu e Jesus deseja retornar à Judeia para ressuscitá-lo, mas os discípulos hesitam, pois os judeus queriam matar Jesus. E Tomé adianta-se para romper o impasse e restaurar a coragem aos discípulos: vamos também nós para morrermos com ele.”

Na segunda incidente (capítulo 14), na Última Ceia, Jesus afirma que será traído e deve morrer, mas ele irá para um lugar melhor e preparará o caminho: na casa de meu Pai há muitas moradas, vou preparar-vos lugar. Tomé, agora confuso, pergunta a Jesus: Senhor, não sabemos para onde vais; e como podemos saber o caminho? Jesus responde em uma das passagens mais conhecidas da Bíblia: Eu sou o caminho, a verdade e a vida: ninguém vem ao Pai senão por mim.

No capítulo 20, o Jesus ressuscitado aparece aos discípulos, exceto o ausente Tomé que diz: se eu não vir o sinal dos pregos em suas mãos, e não puser o meu dedo no sinal dos pregos, e não puser a minha mão no seu lado, não acreditarei!

Então veio Jesus, estando as portas fechadas, e pôs-se no meio e disse: Paz seja convosco. Então disse a Tomé: põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão e põe-na no meu lado e não sejas incrédulo, mas crente. E Tomé respondeu-lhe: Meu Senhor e meu Deus!

Esta última passagem assume grande importância, pois é a primeira vez que Jesus é identificado como Deus. Os trinitários apontam a declaração de Tomé como prova da natureza tripla de Deus como Pai, Filho e Espírito Santo.

Jesus disse: bem-aventurados os que não viram e creram. Uma atitude cética em relação a apelos baseados apenas em autoridade, combinada com uma demanda por evidências diretas, representa o primeiro mandamento do procedimento científico adequado. Pobre Tomé! Ele agiu da maneira mais admirável para um estilo de investigação, mas no magistério errado. Ele defendeu o princípio-chave da ciência enquanto operava dentro do magistério da fé.

Portanto, se Tomé, o apóstolo, defendeu as normas da ciência no magistério errado, consideremos outro Tomé, um homem de religião dogmática que invadiu indevidamente o magistério da ciência. O reverendo Thomas Burnet (1635-1715), embora desconhecido hoje, escreveu um dos livros mais influentes do final do século XVII: “Telluris theoria sacra” (A Teoria Sagrada da Terra).

Este livro influenciou por mais de cem anos, incluindo Giambattista Vico, no Scienza nuova, de 1725, a base para estudos históricos de antropologia cultural, e Georges Buffon, na “Histoire naturelle” de 1749.

Depois, Gould defenderá sua ideia de magistério da Ciência e da Fé, a primeira, responsável pelos conhecimentos da natureza e a segunda, com a Ética.

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