Sempre acreditei que a vida é uma dádiva e que cabe a cada um melhorar o mundo que encontrou ao nascer. Acho que está no DNA das pessoas e as leva a estudar, a trabalhar, a construir, a ter filhos… Talvez pelo simples prazer de, ao fim da jornada, olhar para trás e concluir que a aventura valeu a pena. Outros vão além e, já idosos, fazem de tudo para continuar servindo a humanidade. Os solavancos da existência, que testam paciência, limites e a fé, não afogaram em mágoas o idealismo típico da adolescência.
Fiquei genuinamente tocado, esta semana, com a história do capitão inglês Tom Moore, de 100 anos, cuja morte ganhou os jornais do mundo todo. Criado em Yorkshire, norte do país, era um herói dos campos de batalha. Durante a Segunda Guerra Mundial, serviu na Índia, na Birmânia e em Sumatra, ajudando a combater as tropas da Alemanha, da Itália e do Japão que, sob o comando supremo de Adolf Hitler, pretendiam dominar o mundo. Sobreviver a um conflito em que mais de dez milhões de vidas foram ceifadas já teria, para quase todos nós, a glória necessária para justificar uma existência.
Não para o vovô Moore. Vendo milhares de pessoas perecer vítimas da Covid-19, ele decidiu ajudar, do seu modo, o sistema público de saúde do seu país. No dia 12 de abril do ano passado, pouco mais de um mês antes da celebração do 100º aniversário, ele se propôs a cumprir um desafio: usando seu andador, dar dez voltas por dia em seu quintal, até completar 100, exatamente em 31 de abril, data do seu centenário. Com seu gesto, Moore buscava convencer as pessoas a doar dinheiro para os profissionais de saúde.
Com a ajuda da filha e do genro, que criaram a página de doação na internet, o velho e carismático capitão pretendia arrecadar mil libras, que equivalem a cerca de R$ 6,5 mil. Contudo, nas redes sociais, a campanha viralizou e a população comprou a ideia, sensibilizada com o esforço do veterano. Quando ele deu a centésima volta, as doações somavam o equivalente a R$ 220 milhões. A façanha foi muito comemorada e rendeu a Moore uma condecoração pela rainha Elizabeth II, que o transformou em “cavaleiro” durante uma cerimônia – sem aglomerações – no Palácio de Windsor.
Tomas Moore ganhou o coração dos britânicos, mas perdeu sua última guerra, justamente contra a Covid-19. Ele morreu nesta semana e, embora tivesse direito à vacina, foi obrigado a renunciar a ela porque era incompatível com outros remédios que já vinha tomando. A perda levou a uma comoção nacional e as filhas e netos receberam a solidariedade da família real, do primeiro-ministro Boris Johnson e até da Casa Branca. Sem falar dos milhões de britânicos anônimos que o elegeram “herói do confinamento”.
O caso do vovô de Yorkshire deveria nos levar a refletir se realmente estamos fazendo tudo que podemos para melhorar este mundo tão injusto, violento e devastado pela ignorância e pela ganância. E mais: de que forma cada um de nós deseja ser lembrado quando formos apenas um retrato no álbum de família ou uma foto desbotada na lápide do cemitério. Quantas vezes criticamos aqueles que, de forma altruísta, dedicam-se a campanhas para ajudar aos outros, taxando-os de proselitistas e aproveitadores?
Mudar o mundo pode não ser tão difícil quanto imaginamos se entendermos que a tarefa começa nos pequenos gestos, no dia a dia, na educação dos filhos, na adoção de hábitos saudáveis, no apoio a quem necessita de ajuda. Mudar o mundo exige, acima de tudo, a opção consciente de perseguir os nossos sonhos e transformá-los em realidade. O britânico Tomas Moore queria arrecadar apenas R$ 6.500,00, mas seu exemplo de disposição e de solidariedade fizeram com que milhares de pessoas o seguissem. E quando ele fechou os olhos e seu coração parou de bater, o vovô herói virou mito. Este, sim, um mito de verdade.